Uma breve história sobre a introdução do Zebu no Brasil
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Publicado em 10/03/2015 às 14:12:53

Palácio Imperial de Santa Cruz, agosto de 1823. Ilustração da escritora inglesa Maria Graham em seu "Diário de uma viagem ao Brasil". A sede da fazenda fica próxima a esse reduto, no Rio de Janeiro.
Os primeiros indícios históricos (1534 a 1870) Os primeiros animais bovinos no Brasil foram trazidos de Portugal, sendo alguns deles autóctones da Europa e da África. Vieram para a América portuguesa durante o período de estabelecimento das Capitanias Gerais, o que ocorreu a partir do ano de 1534. Segundo registros históricos, o primeiro rebanho significativo teria surgido na Capitania de Pernambuco um ano depois. Os colonos precisavam desses animais para auxiliar o trabalho na lavoura e para a alimentação. Entre eles, aqueles oriundos da África eram em sua maioria zebuínos (mestiços ou não), muitos deles importados da Índia. Do cruzamento desses tipos com os bovinos nativos, surgiram o Malabar e o Guademar no Brasil. No entanto, a análise a seguir considera o momento segundo o qual foi possível classificar a existências do zebu "puro" no Brasil. O primeiro núcleo de Zebus puros oriundos da Índia no Brasil foi estabelecido por D.Pedro I, em 1826, na Fazenda Real de Santa Cruz, perto do Rio de Janeiro, dando, assim, origem ao mestiço zebuíno "China" que foi difundido pelo Brasil Central. Após este período verificou-se algumas importações de animais tanto de raças zebuínas quanto de europeias nos anos de 1850, 1854, 1878 e 1887 (LOPES e REZENDE, 2001). Foi, sobretudo, a partir dos anos de 1870 que o cenário político brasileiro passou a sofrer com a decadência do café nas lavouras paulistas e fluminenses. Restaria à lideranças aproveitar a vocação agrária do país e dar continuidade ao processo que permitia a modernização das fazendas, além dos centros comerciais urbanos. O momento tornava-se propício para a pecuária e outras atividades influenciadas pelo agronegócio. Na pecuária bovina os animais de origem europeia, como o Caracu e o Holandês, eram predominantes e ofereciam certas limitações com relação à adaptação ao clima tropical do Brasil.

Um dos pavilhões exibidos na primeira feira de exposição a apresentar animais zebuínos em Uberaba, em 03 de maio de 1911.
As primeiras importações de interesse comercial (1898 a 1920)
A preferência para o tipo de criação penderia para o mestiço zebu, mais rústico e resistente. Tem início o interesse pela importação de animais de raças indianas. No ano de 1898 deram-se o início das importações feitas pelos fazendeiros do Triângulo Mineiro com uma diferença marcante: ao contrário dos demais compradores de zebu que adquiriam seus animais por meio de casas importadoras, eles próprios iam buscar os animais na Índia. Homens por vezes simples de conhecimento e que viviam em sertões rudes e distantes de grandes capitais.
O Governo de Minas Gerais foi pioneiro em incentivar e regulamentar as importações a partir dos anos de 1907, obtendo apoio também dos representantes dos criadores mineiros na Câmara dos Deputados. As importações tiveram início e os tempos eram considerados difíceis devido às ações impostas pelo Neocolonialismo e a deflagração da "Grande Guerra". A Índia Britânica, além de outras peculiaridades, impunha certos obstáculos burocráticos nas negociações.
A pecuária de corte, à custa da guerra, nunca havia evoluído tanto e os frigoríficos abriam suas plantas e os negócios prosperavam. Neste período começou-se a praticar a técnica de seleção que iria surgir mais tarde como ciência dentro do melhoramento zootécnico mundial - que se tentava fixar as raças zebuínas Guzerá e o Nelore. Isto serviria para as bases de rebanho locais em Uberaba e Conquista, Minas Gerais, para que não houvesse a necessidade de buscar esses animais no Rio de Janeiro. Até 1920 tudo que tivesse cupim e orelhas longas era classificado como "zebu" (SANTOS, 2007).

View of the Loll Bazaar and Portuguese Chapel Calcutta (Kolkata) by James Baillie Fraser , 1826. A obra certifica as presenças da cultura europeia e do zebu na Índia.
Assim como muitos aspectos garantiram a boa adaptação do zebu no Brasil, outros ofereceram resistências inerentes ao espírito agrário do país. Os negócios realizados com o zebuíno rústico e adaptados ao nosso clima tropical se expandiram por todo o país com o trabalho de comercialização dos "mascates".
Entretanto, muitos pecuaristas e pesquisadores da época viram na raça características consideradas incompatíveis com a pecuária nacional. Interesses particulares foram abalados diante do "novo". Atritos entre opositores e defensores foram constantes e até salutares para o levantamento técnico e científico das raças.
Os negócios envolvendo o crescimento do rebanho bovino nacional e outras atividades agroindustriais incentivaram o princípio do associativismo organizado para aprimorar o fortalecimento dos pecuaristas e das raças no início do século XX. A primeira iniciativa de organização de associações especializadas em Registros Genealógicos no Brasil foi realizada pela Associação Rural de Bagé, em 1914.
Num primeiro momento seria aberto para registrar quaisquer das espécies animais. Seguindo o exemplo de São Paulo e da região sul do país, em 1918 o Herd Book Zebu começou a ser organizado. Em 1919, dezenas de pecuaristas uberabenses interessados na organização das raças, formaram uma assembleia para eleger a primeira diretoria da associação cujo objetivo era promover o desenvolvimento das raças zebuínas no estado de Minas Gerais e seu aprimoramento para assegurar a pureza das raças.

Parte de um facsímile do primeiro Certificado de Origem a um zebu no Brasil.
A crise do café, a II Guerra Mundial e a expansão da bovinocultura (1925 a 1945)
Algumas décadas depois, devido ao declínio nos negócios do gado, às perseguições à raça zebuína e acusações por parte do Rio Grande do Sul concernentes à má qualidade do gado exportado para aqueles estados, a Associação do Herd Book Zebu começou a dar sinais de enfraquecimento.
A crise da cafeicultura e o pós-guerra criaram condições favoráveis ao fortalecimento econômico da atividade pecuária e à consolidação das primeiras raças puras como o Guzerá e o Nelore e o mestiço triplo denominado Indugoiais, Induporã, Induaraxá, Induberaba, Indubahia e Indubelém até chegar numa nova raça brasileira, o Indubrasil em 1928. Em poucos anos, o HBZ foi incorporado à Sociedade Rural do Triângulo Mineiro (SRTM) em 1934, com sede em Uberaba.
Apesar da crise, Getúlio Vargas inicia um processo de incentivo às raças zebuínas, prometendo a instituição dos livros de Registro Genealógicos. Por pressão dos grandes criadores do Triângulo Mineiro a promessa cumpriu-se com a concessão dos Registros a Sociedade Rural do Triângulo Mineiro em Uberaba que, no futuro, tornou-se a ABCZ (SANTOS, 2007).
A Segunda Guerra Mundial (1939 - 1945), ao contrário do que era esperado, auxiliou a pecuária de corte no Brasil. A Europa, desestabilizada, precisava importar gêneros como a carne para reerguer-se e o zebu gerava as chamadas "ondas" (novas raças que iam se formando substituindo as anteriores para movimentar a compra e venda do gado). Os mascates faziam fortunas com os animais registrados pela SRTM que, por sua vez, fazia tudo para apoiá-los e prestigiá-los, perpetuando assim os negócios e gerando demanda de produtos registrados.
O pós-guerra gerou um novo desenho mundial. A derrota da Alemanha e Japão - maiores compradores do Brasil - derrubou os níveis das exportações. O "ouro branco", como era denominado o algodão, declinou e milhares de propriedades faliram, alavancando, novamente, a corrida para a pecuária rústica. A libra esterlina perdia seu poder para o dólar americano e indústrias frigoríficas mundiais como a Swift e Anglo se instalaram no Brasil comprando terras e abrindo novas fronteiras onde somente o zebu conseguia penetrar. Neste período o nelore começou a se destacar, como mais barato e resistente que as demais raças.
As principais conquistas zootécnicas (SANTOS, 2007) desta fase foram:
- Consolidação da raça indubrasil;
- Introdução do zebu no estado de São Paulo;
- Exportação brasileira de gado para os Estados Unidos para formar a raça Brahman;
- Retorno às raças puras como fator essencial para a seleção;
- Exportação de carne para os soldados durante a II Guerra Mundial;
- Aprovação da França, entre outros países, do sabor da carne brasileira;
- Introdução da raça Gir nas pequenas e médias propriedades como fornecedora de leite após a decadência do café, garantindo uma renda para as famílias;
- Ocupação das áreas do Centro-Oeste e em Goiás;
- Comprovação de que as raças zebuínas possuíam excelente peso final de abate e carcaças quando comparadas às outras raças nacionais;
- Importação de 1930 que introduziu animais de genética superior mostrando a evolução dos critérios de escolha por parte dos zebuzeiros e importadores.
Diferenciação social dos produtores de bovinos (1965 aos dias atuais)
O avanço das pesquisas permitiu aos empresários da época fazer investimentos no campo através do uso intensivo de ferramentas de marketing e outras iniciativas inovadoras, como a implantação de leilões em recintos fechados, ao contrário das décadas passadas quando o gado era comercializado nos currais das fazendas.
Além de outros momentos, é possível notar que foi a partir de 1960 que o Governo investiu de modo considerável em obras de infraestrutura como estradas, portos e energia elétrica, mostrando como o regime militar implantava o modelo agrícola da revolução verde, onde as fazendas tradicionais aos poucos davam lugar às grandes empresas rurais, com mão de obra assalariada e altamente tecnificadas.
Na primeira metade dos anos de 1960 o desenvolvimento da agricultura brasileira foi regulamentado a partir da visão de modernização da agricultura, sendo o Estatuto da Terra (1964) e o Estatuto do Trabalhador (1963) as principais medidas legais para que isso acontecesse. Uma tratando da tecnologia, colonização e reforma agrária e a outra estendendo ao campo os direitos trabalhistas, previdenciários e sindicais estabelecidos para os trabalhadores urbanos contemplando pela Lei do Trabalho de 1943 (BERGAMASCO e NORDER, 2003).
As conquistas zootécnicas que contribuíram para a evolução do rebanho brasileiro, principalmente relacionado à pecuária patronal nesta fase, foram:
- Exigência de maior eficiência dos animais;
- Critérios diferentes para cada raça nas exposições e provas zootécnicas de gado de corte e leite;
- Introdução de programas de melhoramento genético como o Prozebu (Programa de Melhoramento Genético da Zebuinocultura) e PMGZ (Programa de Melhoramento Genético das Raças Zebuínas);
- Massificação da Inseminação Artificial;
- Uso intenso da transferência de embriões;
- Consolidação do Controle Leiteiro;
- Introdução de Testes de Progênie para avaliação de touros superiores e sua consequente evolução até a publicação anual do Sumário Nacional de Avaliação de Touros, tanto para leite quanto para carne;
- Aumento das exportações de carne para diversos países do mundo;
- Surgimentos de métodos biotecnológicos como os exames de DNA, Fecundação in vitro (FIV) e clonagem;
- Utilização do computador e da tecnologia de informação nas grandes fazendas e entidades de criadores.
Para saber mais sobre o assunto, conheça o Museu Virtual do Zebu. Clique na terceira sala intitulada "Os Pioneiros" e boa viagem! Se preferir, assista ao vídeo de apresentação produzido pela ABCZ sobre este mesmo segmento.
A Criação da ABCZ em 1967
Para seguir as transformações ocorridas ao longo dos anos, a união dos pecuaristas e demais entusiastas do ramo contribuiu para que em 1967 houvesse a criação da ABCZ (Associação Brasileira dos Criadores de Zebu), em substituição à antiga SRTM (Sociedade Rural do Triângulo Mineiro) fundada há três décadas anteriores. A abrangência dos negócios nesse período extrapolou as fronteiras do país, quando a antiga sociedade passou a contar com a adesão de associados em todo o território nacional e no exterior.
A demanda exigiu maior responsabilidade da entidade, que adotou a nova nomenclatura para ampliar a produção mundial de carne e leite. Sempre atenta às novas tecnologias e às exigências do mercado, a instituição vem cumprindo sua missão de promover o melhoramento genético e o registro genealógico das raças zebuínas em todo o Brasil. Para isso, conta com uma rede de escritórios regionais, onde atuam técnicos altamente capacitados.
A ABCZ registra em todo o Brasil mais de 600 mil bovinos por ano e detém o maior banco de dados do mundo sobre o zebu, com mais de 12 milhões de animais cadastrados. Através do PMGZ (Programa de Melhoramento Genético de Zebuínos), acompanha o desenvolvimento de mais de 3.600 rebanhos em todo o Brasil. Em sua sede, no Parque Fernando Costa em Uberaba, a associação promove a Expozebu anualmente.

A ABCZ, juntamente com a maior feira de gado zebu do mundo, a Expozebu, comemoraram em 2014 80 anos de muita história e conquistas.
A feira, que é realizada desde 1935, recebe mais de 200 mil visitantes que participam de leilões, palestras, cursos, debates sobre pecuária sustentável e acompanham o julgamento de animais e concursos leiteiros. Outra feira promovida pela instituição é a Expogenética, que reúne os principais programas de melhoramento genético do país. É a primeira associação de pecuária brasileira a ser certificada pelas normas ISO 9001 e ISO 14001.
Atua também no apoio à pesquisa científica, ensino superior e inovação tecnológica; no fomento ao ambiente de negócios e à prospecção de novos mercados; na articulação da pecuária com os demais elos da cadeia produtiva de carne e leite; no suporte técnico aos associados e na representação dos produtores rurais junto ao governo e à sociedade.
CENTRO DE REFERÊNCIA DA PECUÁRIA BRASILEIRA - ZEBU