Carl Hagenbeck, um investidor no comércio internacional de animais Voltar

Você está em: Memórias do Zebu » Importações de Zebu para o Brasil » Segunda Fase (1875 - 1891) Publicado em 01/07/2015 às 14:23:30
Carl Hagenbeck , especialista no ramo do comércio internacional de animais no final do século XIX.

Carl Hagenbeck (1844 - 1913) foi o primeiro grande fornecedor do gado zebu indiano ao mercado internacional. Proprietário da empresa que levava seu nome, a Hagenbeck com sede em Stelling, próxima a Hamburgo na Alemanha, exportou diretamente da Índia nos anos de 1878, 1880 e 1883, três lotes de zebu da raça nelore para o criador Manuel Ubelhart Lemgruber. Entre 1890 a 1895, a firma enviou cerca de duzentos reprodutores a fazendeiros fluminenses, especialmente para os Lemgruber e os Lutterbach.

Durante o auge do Neocolonialismo, quando as principais potências europeias usufruíam do direito de colonizar a África e a Ásia e o chamado Darwinismo Social ganhava número recorde de adeptos entre os nacionalistas, Carl fez fama como negociante de animais selvagens e exóticos, até se tornar um dos pioneiros na criação dos zoológicos modernos. Nesses espaços, o ambiente foi planejado de modo a aproximar-se do habitat natural das espécies, numa reformulação no ramo que acabou ficando conhecida como revolução Hagenbeck. Essa cultura exibicionista propagou-se pela Europa e EUA numa velocidade impressionante para os padrões da época, afinada com o espírito das descobertas e curiosidades entre os mundos.

 

Num artigo publicado na Revista dos Agricultores em 1954, o zootecnista e pesquisador Alberto Alves Santiago refere-se a ele da seguinte maneira,

 

"Sabe-se que, de 1890 a 1895, a Hagenbeck enviou para o Brasil cerca de duzentos reprodutores zebuínos, em grande parte designados a criadores fluminenses, pioneiros da criação desse gado. Alguns desses espécimes foram revendidos para Uberaba, onde se começava a explorar o "boi de cupim". Durante mais de vinte e cinco anos, a Casa Hagenbeck manteve sua posição no mercado brasileiro a princípio por via de contatos direitos com criadores que visitavam a Europa, ou por meio de correspondência. Mais tarde, a organização alemã nomeou sua representante no Brasil firma Herm. Stoltz & Co., que mantinha filiais em São Paulo, Santos e Recife. Esta empresa chegou a ter, no antigo Jardim Zoológico do Rio de Janeiro, uma Estação Zootécnica, destinada a expor e vender reprodutores, especialmente bovinos, gado indiano, búfalos, zebras e outras espécies. Mais tarde, teve outro representante na Capital paulista, A. Springmann, com escritório da Líbero Badaró, 443. Com o objetivo de propaganda, fornecendo aos criados uma série de informações a respeito da criação de animais domésticos, principalmente quanto às vantagens da introdução de reprodutores das raças melhoradas, a importante empresa de Hamburgo distribuía o interessante "Catálogo Ilustrado" de animais domésticos, de raças e estrangeiras, escrito em português e castelhano". (SANTIAGO. Revista dos Criadores. 1954, p. 24.)

 

Santiago comenta que este catálogo intitulava-se O gado Zebu na Índia e contêm 90 páginas. Ao selecionar transcrições feitas dessa publicação, Hagenbeck escreveu,

 

"Em países onde a criação de gados europeus se tornou impossível, devido ao demasiado calor, ao clima mortal, período de secas e por esse motivo escassez de forragens, assim como também as condições primitivas em geral, oferece o grande zebu da Índia um magnífico substituto. É por assim dizer imune a todas essas inclemências e pode existir em condições onde outros animais haviam de perecer. Além disso, uma qualidade especialmente importante é a sua insensibilidade sem igual contra doenças de qualquer espécie e a sua força de resistência tão extraordinária contra epidemias e flagelo dos animais, das quais mesmo é em parte completamente imune. Há cerca de 25 anos exporto touros e vacas de zebu com bastante regularidade para o Brasil, onde os grandes criadores de gado fazem esforços contínuos para prover de sangue fresco as suas criações de zebus, estando em parte muito aperfeiçoados pela importação de primeira qualidade. Também dos Mares do Sul tive conhecimento de exemplos que demonstram a espantosa insensibilidade e modéstia dos zebus. Num sentido os tem os trópicos igual: são incomparáveis como animais de trabalho. Seu temperamento inesgotável não se cansa durante o mais intenso calor, suas pernas elegantes, mas secas e nervosas, com unhas duras, tornam-se animais para puxar, rápidos e perseverantes, e nesse sentido, não encontram outros gados que os possam igualar".

 

(HAGENBECK. apud. SANTIAGO. Revista dos Criadores. 1954, p. 24.)


Imagem retirada do famoso catálogo no qual Carl Hagenbeck divulgava zebuínos para os criadores fluminenses no final do século XIX. (SANTIAGO, Alberto. REVISTA DOS CRIADORES. Mar. 1957 p. 23).

O empresário Carl Hagenbeck nasceu em 10 de junho de 1844 e faleceu em 1913 na Alemanha. Seu pai, o peixeiro Claes Gottfried Hagenbeck, iniciou em 1857 na cidade de Spielbudplatz, um pequeno negócio de comércio de animais silvestres. Logo, a venda de peixes foi abandonada e o jovem Carl Hagenbeck assume a guia do comércio de animais silvestres com o pai, quando de maneira ousada, passou a organizar expedições para captura de animais exóticos em todo o mundo. O sucesso deste empreendimento foi arrebatador. Assim, os Hagenbeck, ao longo de tempo, tornaram-se os maiores fornecedores de animais de todos os portes no planeta, interligando uma rede que envolvia caçadores profissionais, barganhadores, interpretes, além de medidas de segurança e logística empíricas, organizadas em meio a incomensuráveis intempéries.

 

(...) Eram elefantes, avestruzes, leões, tigres, leopardos, girafas, lhamas, ursos, renas, crocodilos, camelos, uma infinidade de cavalos, gados, répteis, pássaros etc. capturados em inúmeros habitats e comercializados nos 5 continentes. Pode-se dizer que, o sucesso dos Hagenbeck acendeu, à medida que a indústria do entretenimento expandia, principalmente no velho mundo e EUA, através da criação de zoológicos e circos. Entre os seus fornecedores, incluíam-se Lorenzo Casanova e o afamado showman Phineas Barnum, o primeiro milionário a formar fortuna e fama no "show business" internacional.

 

Carl Hagenbeck, Beasts and men. Being Carl Hagenbeck's experiences for half a century among wild animals. (London & New York: Longmans, Green, and Co., 1912).


Publicidade do circo do grande "showman" americano Phineas Barnum. Início da indústria de entretenimento nos EUA no século XIX.

Outra particularidade dos empreendimentos idealizados por Carl Hagenbeck veio a ser as apresentações pela Europa e EUA, de shows étnicos denominados de "human zoos". A proposta dessas atrações partiu através do seu fascínio adquirido no contato com as variadas culturas nativas que visitava pelo mundo e, em meio a um efervescente debate etnográfico em voga na Europa. Dessa forma, os shows étnicos consistiam em exposições de nativos postos em cena àqueles ávidos de "sensações".

 

Samoanos, lapões, nubianos, zulus, aborígenes, mapuches, esquimós etc., eram apresentados em seus trajes e costumes típicos, comumente, em conjunto com os animais exóticos de suas respectivas regiões. Não tardou para que os sucessos dessas apresentações tornassem-se fulminantes.

 

O fim do século XIX se aproximava e sérios questionamentos quanto ao trato com os animais tomava repercussão em debates inflamados na opinião pública. A rigor, eram comuns espetáculos que enfatizam o "bizarro" para atrair o grande público. Tais espetáculos consistiam em forjar brigas de cães, galos, ou em um leque de outras formas de maus tratos que instigava reações agressivas nos animais ferozes.

 

Não demorou muito, para que tais apresentações e métodos tornassem-se ilegais. Nessa atmosfera, devido a conhecimentos adquiridos com animais, Carl Hagenbeck, fundou em 1887 o seu próprio circo, a busca de implantar técnicas inovadoras de adestramento com animais, do qual denominava de "treinamento gentil". Em suma, essa técnica traduzia-se em treinar os animais com bons tratos e recompensá-los com sortimentos, quando os mesmos executavam as tarefas designadas corretamente.


Publicidade do Hagenbeck- Wallace Circus. Mesmo após a morte de Hagenbeck, a companhia de circo levava seu legado para o mundo todo.

A expansão dos negócios dos Hagenbeck, contou ainda com o aparelhamento do Tierpark Hangbeck, que a partir de 1907 tornou-se o maior zoológico privado da Alemanha, situado em Stellingen, perto de Hamburgo. Nesse empreendimento, empregaram-se métodos de tratamento que revolucionaram a disposição de zoológicos, sendo o primeiro do gênero, a utilizar recintos abertos cercados por fossos que, ao invés de gaiolas gradeadas. Buscava-se assim aproximar os animais de seus ambientes naturais. Tais métodos vieram a ser amplamente difundidos na montagem de zoológicos em todo o mundo.

 

Cem anos após a morte de Carl Hagenbeck em 1912, o Tierpark Hangbeck ainda atrai inúmeros visitantes de todo mundo a Stelling. O seu legado foi deixado à família e levado a cabo a outras gerações por meio do famoso circo que carregava seu nome em turnês realizadas por todo o mundo até a década de 1940. Sem dúvida, as ações de Carl Hagenbeck se relacionaram em absoluto na introdução do zebu no Brasil. Seja, indiretamente, através dos próprios zebuínos expostos em zoológicos da Europa, como os da região de Hamburgo ou em Londres que atraíram os atentos olhares de criadores brasileiros no século XIX a essa raça. Seja, efetivamente, por ser este, o primeiro grande exportador de levas zebu da Índia para o nosso país.


Capa da primeira página do Catálogo de animais de raças disponível por Carl Hagenbeck. Acervo: Museu do Zebu, 1912.

Cem anos após a morte de Carl Hagenbeck em 1912, o Tierpark Hangbeck ainda atrai inúmeros visitantes de todo mundo a Stelling. O seu legado foi deixado à família e levado a cabo a outras gerações por meio do famoso circo que carregava seu nome em turnês realizadas por todo o mundo até a década de 1940. Sem dúvida, as ações de Carl Hagenbeck se relacionaram em absoluto na introdução do zebu no Brasil. Seja, indiretamente, através dos próprios zebuínos expostos em zoológicos da Europa, como os da região de Hamburgo ou em Londres que atraíram os atentos olhares de criadores brasileiros no século XIX a essa raça. Seja, efetivamente, por ser este, o primeiro grande exportador de levas de zebu da Índia para o nosso país.

 

Texto e pesquisa: Thiago Riccioppo, Historiador, Mestre em História pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU; Gerente Executivo do Museu do Zebu/ABCZ e colaborador do CRPBZ.


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