Pedro Marques Nunes, um pioneiro na criação de Nelore no Brasil
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Memórias do Zebu » Importações de Zebu para o Brasil » Terceira Fase (1898 - 1921)
Publicado em 01/07/2015 às 15:25:56
A contribuição de Pedro Marques Nunes a história da pecuária brasileira na preservação da pureza e aprimoramento da raça Nelore é indelével. Nascido no Rio de Janeiro em 30 de agosto de 1890, tornou-se destacado produtor de café na região do Vale do Paraíba em Taubaté no Estado de São Paulo. Com cerca de 200 mil pés, foi capaz de gerar altíssimas produções, a exemplo do ano de 1917 quando conseguiu colher em torno de 12 mil arrobas de café.
Apesar disso, segundo relatos conseguidos pelo pesquisador Alberto Alves Santiago (1972), na noite de 23 para 24 de junho de 1918, houve uma das maiores geadas já verificadas pelos agricultores da época no Estado de São Paulo. Na temporada foi destruída grande parte das lavouras e pastagens. Como resultado, (...) "os pastos foram queimados e não havendo outros recursos alimentares, o gado sofreu terrivelmente nos meses seguintes; sobreveio então um surto de aftosa que, encontrando os animais depauperados, causou enorme mortandade". (SANTIAGO, 1972. p. 160)
Sobre esta onda de frio relatada por Santiago, cujos efeitos foram devastadores para muitos agropecuaristas em SP entre esses, Pedro Marques Nunes. Encontramos uma referência reelaborada pelo meteorologista Carlos Alberto Reis Sampaio do "Instituto Clima Tempo" que comprova com exatidão o fenômeno, através de dados anotados da Estação Meteorológica de São Paulo no referido ano de 1918. Uma das ondas de frio, mais marcantes ocorridas na história do Brasil foi em junho de 1918.
Obra "Café" de Cândido Portinari (1935), expõe o trabalho na principal fonte de produção econômica entre o século XIX até a década de 1930.
Nesse contexto de intempéries naturais e resultados catastróficos, Pedro Marques Nunes averiguou que, enquanto seu gado de sangue europeu morria, os "anelorados", resultado de mestiçagem de um zebuíno de nome Príncipe e vacas leiteiras, sobreviveriam à doença e à fome. A conclusão que o criador teve foi que o gado zebu era mais vantajoso às condições mesológicas brasileiras.
Dessa forma, passou a realizar experiências com zebuínos puros no sentido de avaliar qual raça específica se inclinaria. Acabou por preferir a Nelore, buscando os principais criatórios do País como fonte para o rebanho que pretendia constituir. Primeiramente, encaminhou-se a tradicional Fazenda Santo Antônio, de Manoel Ubelhart Lemgruber, adquiriu 2 garrotes - Louro, que lhe custou 5 contos de réis e Satan, por 3 contos - além das fêmeas: Rainha, Flor e Fidalga. No ano seguinte, Pedro Marques Nunes foi para Uberaba, onde visitou inúmeras fazendas da região escolhendo 30 reprodutoras dos criadores Manoel Andrade, Geraldino Rodrigues da Cunha, Segismundo Mendes dos Santos, Vicentino Rodrigues da Cunha e de negociantes e importadores como Armel Miranda e Alceu Miranda.
A entrada do ano de 1922 anunciava-se como especial. Era o período do centenário da Independência, onde seria realizado o maior evento já recebido no Brasil em todos os tempos, a "Exposição Internacional do Centenário da Independência" na capital Rio de Janeiro. Aquela era a oportunidade dos brasileiros exporem os potenciais das diversas riquezas do País a todo mundo e ampliar os horizontes de nossos negócios no exterior.
Em meio ao evento internacional, houve a realização da "Exposição Nacional de Gado e Derivados". A ocasião foi percebida também para os criadores de zebu, tanto mineiros, quanto fluminenses, como adequada para divulgarem as qualidades das raças e superarem os preconceitos contra as raças indianas, elaborados por paulistas desde o início do século, principalmente, em função das críticas arquitetadas em torno dos discursos de Luís Pereira Barreto, líder influente entre os fazendeiros de São Paulo e ardoroso defensor do gado Caracu. E não foi de outra maneira, a exposição foi um sucesso.
O médico Luis Pereira Barreto promoveu a imprensa brasileira contra o zebu. Defensor do Caracu, acabou influenciando muitos paulistas em torno de suas teses.
Legendários zebuínos ganharam famas incontestes na opinião pública especializada como o touro "Louro", um dos cinco animais de Pedro Marques Nunes preparados cuidadosamente para o evento. Louro ficou em primeiro lugar da raça nelore e em seguida foi escolhido como o grande campeão nacional das raças indianas. A ocasião serviu também para que o criador adquirisse de expositores outras três fêmeas de nomes: Paraíba, Baiana e Condessa e ainda o animou bastante em prosseguir na criação desta raça. Cf. (SANTIAGO, 1972. p. 164)
Contudo, os mesmos holofotes que iluminaram o destaque de Pedro Marques Nunes na Exposição Internacional do Rio de Janeiro, também o expuseram as hostilidades a sua criação por aqueles que estavam com Luiz Pereira Barreto à defesa do Caracu em São Paulo. Por esse motivo, o criador resolveu transferir seu criatório para o Estado do Rio de Janeiro, estabelecendo-se em Piraí na Fazenda Santa Rosa em 1926. Mais tarde este criatório passou a se chamar "Fazenda Indiana", um nome que se tornou notavelmente reconhecido no meio nelorista brasileiro.
Fonte: Museu Virtual.
O jornal carioca Correio de Manhã de 05 de janeiro de 1920, aborda num artigo com o título, O Zebu na América do Norte, que a introdução do gado indiano no EUA feita por criadores do Texas estava gerando excelentes resultados no cruzamento com o Herford, justificando que os animais tinham resistência para suportar doenças e ao carrapato e também pela qualidade na obtenção de peso e produção.
O interessante é que neste momento, havia um clima de "amor e ódio" ao zebu no Brasil, situação essa bem observada no artigo. O gado indiano, ora era atacado por aqueles que não o criavam, como Pereira Barreto e queriam afastar a entrada de novos criadores às raças. Ora aclamado pelos reais criadores de zebu que defendiam os vários motivos para adoção de suas raças no rebanho nacional. Vejamos alguns trechos,
(...) No Brasil, a respeito do zebu como no foot-ball ou da política, as opiniões são sempre extremas. Não se conhece o meio termo. Ou nega-se tudo ao zebu, até a qualidade de bovino, ou acha-se que ele reúne todas as qualidades desejáveis para um clima como o nosso. O Dr. Simões Lopes, que na pasta da Agricultura se ter revelado um administrador competente, cheio de iniciativas inteligentes, informado do que se está passando na América do Norte, vai organizar um plantel para fazer experiências com o zebu e, caso sejam favoráveis, tratará da criação de reprodutores de puro sangue, selecionados, para fornecer aos criadores brasileiros. É uma ideia útil, que só merece aplausos.
(CORREIO DA MANHÃ, 05 de jan. 1920. p. 3)
Pedro Marques Nunes tornou-se célebre em formar o mais famoso rebanho de Nelore no Brasil em seu tempo. Na imagem, o criador e o touro "Brasil", campeão da Exposição Nacional do RJ em 1936.
Em 1923, Pedro Marques Nunes fez parte de um grupo de exportadores que compuseram o maior projeto comercial estabelecido com o México até então. Associado a seu irmão, Vasco Marques Nunes e ao primo José Ramalho Ortigão, foram realizadas remessas de 85 animais da Nelore e Guzerá que somado ao outros criadores chegaram ao total de 200 animais que seguiram em outubro daquele ano à América do Norte no Vapor Cabedelo do Lóide Brasileiro. O navio que se dirigiu a Veracruz foi encarregado primeiramente de deixar uma remessa de café em Nova Orleans nos EUA. Esse imprevisto e devido ao fato do navio encalhar, ocasionou a falta de forragem para o gado e um período de fome. Cf. (SANTIAGO, 1972)
Tais transações estavam enquadradas em um acordo diplomático comercial travado entre o Brasil e México para exportação de produtos nacionais ao país da América do Norte. O organizador da expedição foi o importante zootecnista Fernando Ruffier.
A importação de gado zebu de criadores brasileiros para o México seria o primeiro grande intercâmbio comercial em grande escala entre os dois países em todos os tempos. O livro, Intimidades, conflitos e reconciliações: México e Brasil (1822-1993), de Guilhermo Palacios (2008) credita o fracasso da transação a um "[...] cálculo errado dos criadores motivou que a oferta superasse a demanda" e a descrença no conflito mexicano por parte do brasileiro, elevou a intensos atritos, a incipiente relação comercial entre os países.
Em janeiro de 1924, quando a rebelião das forças de Huerta contra a imposição de Plutarco Elías Calles como sucessor de Obregón se tornava forte no Estado de Veracruz, a alfândega do porto foi ocupada pelos sublevados que exigiram a retirada de todos os produtos armazenados com o respectivo pagamento de direito, sob pena de leiloá-los. (...) Pouco tempo depois, os mesmos rebeldes se apoderaram de 55 cabeças de gado zebu que ainda seguia ancorado no porto sem encontrar ofertas.
(PALACIOS, 2008 p. 208)
Aarón Sáenz, secretário de Relações Exteriores do México, Regis de Oliveira, embaixador do Brasil, Genaro Estrada e Sra. Oliveira examinam o gado importado do Brasil em 1923. Fonte: (PALACIOS, 2008)
Apesar de parte deste gado ter sido parcialmente recuperado, o governo mexicano não pagou o frente de viagens que importadores brasileiros haviam tratado nas negociações. Isso se deveu a imensa crise gerada na região ocupada pelos rebeldes. Santiago comenta sobre esta circunstância da seguinte maneira,
Nesse meio tempo, estalava a revolução do General Obregon, forçando uma mudança nos planos dos exportadores, desembarcando-se o gado em Tampico, em condições precárias. O lote apesar de sua ótima qualidade, foi vendido com dificuldades e por preços não compensadores, causando-lhes prejuízos consideráveis. Lucraram os criadores americanos que "cataram" no México os melhores exemplares, levando-os para o Texas.
Depois de uma década de interregno de importações em 1930 Manoel de Oliveira Prata e Francisco Ravísio Lemos organizaram uma nova expedição à Índia com objetivo de trazer novas safras de zebuínos ao Brasil. Pedro Marques Nunes solicitou que os importadores escolhessem o que de melhor houvesse por onde passassem. De fato, os animais escolhidos pelos importadores e adquiridos pelo criador, tornaram-se reprodutores espetaculares que marcaram a história. Nomes famosos, a exemplo de Marajá, Rajá e Sheik, foram decisivos para uniformização do rebanho de Nelore, transmitindo suas características a seus descendentes.
Em 1936, técnicos do governo de São Paulo, foram a Piraí escolher livremente os animais que iriam compor a Fazenda Experimental de Criação deste Estado. No ano seguinte, com o início da edificação da Fazenda Experimental de Criação de Uberaba, organizada sob Ministério da Agricultura durante o governo Vargas, o criador forneceu 2 garrotes e 20 novilhas. Pedro Marques Nunes possuía o maior e melhor rebanho Nelore brasileiro, quando o vendeu em 1939 a Sociedade Indiana Ltda. Composta naquela época pelos membros da família Rocha Miranda e pelo zootecnista Durval Garcia de Menezes. O criador faleceu no Rio de Janeiro em 1959. Seus feitos foram muito importantes para a consolidação da raça Nelore no país. A Fazenda Indiana continua mantendo até os dias atuais a seleção por ele iniciada de animais de origem indiana. A marca "Taça" permanece como sinônima de tradição e qualidade.
Autor: Thiago Riccioppo, Historiador, Mestre em História pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU; Gerente Executivo do Museu do Zebu/ABCZ e colaborador do CRPBZ.
CENTRO DE REFERÊNCIA DA PECUÁRIA BRASILEIRA - ZEBU