Otaviano Borges Júnior, um uberabense na Índia em plena "Grande Guerra" Voltar

Você está em: Memórias do Zebu » Importações de Zebu para o Brasil » Terceira Fase (1898 - 1921) Publicado em 03/07/2015 às 10:46:01
Otaviano Borges Júnior aos 21 anos. Acervo: MZ.

Na terceira ida de João Martins Borges à Índia em 1917, seu irmão mais jovem, Virmondes Martins Borges, foi enviado em sua companhia a pedido do pai, o fazendeiro Cel. Joaquim Martins Borges. Na ocasião, Otaviano Borges Júnior, primo dos irmãos Martins Borges, foi escolhido também para auxiliar o ambicioso projeto de aquisição de zebu puro naquele "país exótico". Em 15 de agosto do mesmo ano seguiram os três uberabenses para o Rio de Janeiro a fim de embarcar no vapor que os levaria, à princípio, para a Europa. As condições eram difíceis - o século XX alvorecia em meio aos conflitos relacionados à Primeira Guerra Mundial e à resistência de vários povos ante ao domínio imperialista das potências industrializadas sobre a Àsia e a África.

Ao chegar em Marselha levaram em conta a impossibilidade de realizar a travessia até ao Oriente pelo mar Mediterrâneo. Devido à guerra, estavam proibidas as viagens de navios de passageiros desde àquela região até o Canal de Suez. Assim mesmo, os três embaracam no vapor City of Manchester com a estratégia de acessar novamente o mesmo caminho de entrada pelo Estreito de Gibraltar, para depois dirigirem-se pela a costa do continente africano até seu extremo sul na Cidade do Cabo. Em seguida abandonaram o navio e rumaram para Durban, de trem de ferro, onde tomaram outra embarcação que os levariam ao Ceilão. De lá, por meio de um cargueiro norueguês, conseguiram acessar finalmente Bombaim, na Índia.

 

O trabalho de seleção de compra de gado Guzerá iniciou-se de forma muito favorável. Várias regiões estiveram no roteiro e os menores detalhes foram criteriosamente avaliados para escolha dos animais. No contexto da guerra, entretanto, as dificuldades eram inúmeras, pois o dinheiro que o grupo esperava demorava muito para chegar, além de outras burocracias contábeis que eram com frequência barradas pela alfândega. É certo que as adversidades culturais sempre existiram. Mas nesse caso, o momento era bastante delicado - a Índia estava subjugada ao Império britânico e este impunha medidas administrativas que afetavam até os meios de transportes, ocasião que gerava embaraços permanentes às tarefas do tipo.


Otaviano Borges e Virmondes Martins Borges, o segundo e terceiro respectivamente com importadores em uma fazenda de criação na Índia. Fonte: MZ, 1919.

Para sanar o problema, a saída era negociar os trâmites para acessar os recursos enviados por criadores uberabenses às agências bancárias britânicas na Índia. Seguindo o propósito, João Martins Borges viajou até Calcutá, onde adoeceu gravemente. Em apenas cinco dias veio a falecer em 19 de maio de 1918, aos 27 anos, em um quarto do Hotel Continental. Avisado sobre o fortuito, seu irmão e primo rumaram à cidade e providenciaram o enterro no Christian Cemetery. A necessidade de prover o inventário, pois os recursos para empreitada haviam sido depositados em nome de João, fez com que Virmondes e Otaviano permanecessem no continente por 2 anos seguidos.

 

Apesar das adversidades, os jovens continuaram o plano de adquirir e enviar reprodutores ao Brasil. Por meio de um navio da Companhia Marítima Osaka, houve o primeiro embarque de cinco animais zebuínos, muito embora a raça era considerada estranha em várias regiões. Todavia, a entrada dos animais em Uberaba despertou certo alvoroço entre os pecuaristas, situação que motivou as encomendas via telégrafo a outros reprodutores interessados em iniciar negócios como esses no Triângulo Mineiro, principalmente.

 

Os uberabenses procuraram auxílio do cônsul honorário do Brasil em Calcutá, o armênio Joakin Kahapiet. Segundo fontes bibliográficas, a representação diplomática feita por ele visava apenas satisfazer seus interesses pessoais (WEISS, 1956, p.19). As parecerias eram, portanto, ponderadas entre ambos os interessados. Sabe-se, por exemplo, que alguns negociantes mineiros encontraram auxílio em uma amizade firmada na Índia com um judeu inglês chamado Ezra, radicado em Calcutá. Este colocou à disposição deles expressiva quantia de dinheiro, sem pedir em troca garantia alguma. Tal fator foi indispensável para as operações que permitiram a aquisição de gado nesse contexto. Além de negociantes, os importadores precisavam demonstrar empenho nas articulações conjuntas. Eram tempos em que palavra de honra exercia peso determinante no rumo incerto dos negócios.


Otaviano Borges (Tavico) com amigos, hóspedes em Hotel na Índia em 1919. Acervo: MZ.

Virmondes apurou o conhecimento seletivo desses animais, fator que, somado ao domínio da língua inglesa e ao aprendizado que adquiriu sobre os dialetos locais, facilitou a compra em número recorde para a época das raças Guzerá, Gir e Kankrej. Ao longo dos meses ocorreram remessas sucessivas para o Brasil. Cerca de 460 zebuínos, sendo apenas 18 machos entre eles, desembarcaram no porto brasileiro. Como era bastante exigente, o selecionador raramente encontrava touros que o agradava. E tudo não se limitava apenas ao zebu - Virmondes e Otaviano enviaram um casal de búfalos para a Fazenda Esperança em Uberaba, de propriedade da família. Mais tarde, Antenor Machado Azevedo adquiriu o casal e mais outros dez de seus descendentes. Além do gado, importou ovinos, caprinos e pavões indianos. Nessas importações, os navios que transportaram os animais pela Companhia Osaka foram Toyoka Maru, Kifuko Maru, e Kaifuko Maru.


Imagem do convés do navio com o gado durante a travessia de Otaviano Borges Júnior para o Brasil em 1919. Fonte: MZ.

Como não podiam acompanhar o gado enviado na maioria dos casos, Virmondes e Otaviano chegaram a contratar entre 4 a 5 indianos como tratadores durante o percurso. Logo após o desembarque, esses empregados eram repatriados à sua terra. Consta nos registros históricos que em uma dessas viagens, curiosamente, dois indianos de origem mulçumana - Salomé Ali-Babi e Goberiá - resolveram permanecer no Brasil movidos, talvez, pelas dificuldades impostas pela guerra. Em tempos como esse, o nacionalismo exacerbado dos povos, dominadores ou não, exercia forte vigilância entre as fronteiras.

 

Finalmente em meados de 1919, Otaviano Borges foi o primeiro a regressar para o Brasil. Pouco tempo depois seu primo Virmondes teria feito o mesmo à bordo do navio Himalaia Maru. Como a embarcação era ampla e moderna, vieram com ele cerca de 160 animais, ao passo que nas travessias anteriores eram embarcados de 80 a 100 cabeças. Segundo a família, a aventura encerrou-se ironicamente em grande estilo, apesar do triste destino lançado sobre um deles. Protagonismos como esse, por si só, encerram qualquer tipo de restrições ou dúvidas que possam pairar sobre a relevância histórica dos pioneiros nas importações. Ainda melhor quando a memória encontra respaldo em uma farta documentação histórica, como é o caso aqui observado.

 

Autor: Thiago Riccioppo, Historiador, Mestre em História pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU; Gerente Executivo do Museu do Zebu/ABCZ e colaborador do CRPBZ.


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