Armel Miranda, importador e mascate pioneiro do zebu no Brasil
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Memórias do Zebu » Importações de Zebu para o Brasil » Terceira Fase (1898 - 1921)
Publicado em 07/08/2015 às 11:27:44
- atualizado em 28/11/2016 às 18:39:04

Filho de Ovídio Irineu Miranda, pioneiro na pecuária do Triângulo Mineiro, Armel Miranda nasceu em Uberaba. Seu irmão Alceu Miranda foi um dos fundadores da e Sociedade Herd Book Zebu em 16 de fevereiro de 1919, tornando-se vice-presidente na primeira gestão da entidade. Armel Miranda realizou três importantes viagens à Índia: a primeira em 1913, outra em 1914 e a última em 1917. Na sua primeira viagem em 1913 levou consigo para interprete o francês radicado em Uberaba, Georges de Chirée. Ao chegar na Índia percorreu diversas zonas de criação de gado por todo o país avaliando as características e qualidades dos animais que pretendia adquirir.
Ao retornar ao Brasil naquele mesmo ano, foram desembarcadas 264 cabeças de gado zebu para serem negociadas, principalmente, com os criadores do Triângulo Mineiro. Na oportunidade desta expedição o viajante registrou seus estudos, deixando preciosas impressões acerca de diferentes raças e suas respectivas potencialidades, como a Guzerá, Gir, Nelore, Hissar, Sindhi, Malvi, Misore e Nagori, mais algumas de menor importância para o interesse da pecuária brasileira naquele contexto. De todas, como outros importadores que haviam ido à Índia, considerou que as mais significativas eram as três primeiras raças supracitadas.

Armel Miranda pousa para fotografia. s/d. Acervo: Museu do Zebu.
De fato, as raças Guzerá, Gir e Nelore foram as que mais vigoraram e obtiveram sucesso no rebanho brasileiro. Para ter uma dimensão das vivências de Armel Miranda na Índia, pode-se avaliar um trecho dos relatos que o mesmo produziu durante a viagem,
(...) O Guzerá Kankrej que se distingue pelos chifres grossos e salientes, em foram atorquezada, testa larga e orelhas regulares, que se encontra em Radempur, e há o Guzerá propriamente dito que se distingue por suas linhas, longas orelhas, chifres mais curtos e mais finos, que se encontra em Deesá, Ahmedabad, Sabarmati, Mehasana e outros pontos da província de Guzerá. Este é o tipo preferido de criadores do Triângulo Mineiro. Há também dois tipos de Gir: o de Kathiawar, que se distingue pela testa saliente, chifres grossos e afastados, pernas curtas, peso grande, cores entre vermelho e branco pintado, e o da floresta, que é muito menor, de cor branca, com malhas, chifres finos, testa larga, barbela regular e pernas finas. Aquele é muito superior a este, pois é mesmo mais pesado e mais leiteiro. Por isso mesmo, é preferido pelos Rajás de Kathiawar. O Nelore é o tipo completamente diferente de cor branca e manchas acinzentadas, orelhas pequenas, chifres finos e curtos, muita barbela, pesado, muito pesado para corte. Os melhores tipos dessa variedade se encontram em Ongole, província de Nelore, e é conhecida entre nós pelo nome de Brahma.
(WEISS, Apud MIRANDA, 1956. p. 15)

Em momento de descontração, Armel Miranda entre macacos na Índia em 1917. Acervo: Museu do Zebu.
Como se observa, Armel Miranda foi um dos poucos importadores que registrou com detalhamento a impressão que teve dos animais que avistou. A cada região visitada e grupo de pessoas que conhecia da exótica cultura indiana, seus olhares estavam sempre focados em oportunidades de negócios e nas possibilidades de explorar o que houvesse de melhor das raças zebuínas em suas respectivas regiões de origens. Outro aspecto interessante de se analisar sobre seus registros, diz respeito ao requinte deste importador em descrever e caracterizar as raças de zebu. Nesse sentido, deduz-se que, por esse conhecimento adquirido, vieram consigo animais de boas qualidades raciais para os padrões que se esperavam na época.
Das 400 reses adquiridas na Índia, o contingente que desembarcou no Brasil foi bastante reduzido em consequência das perdas verificadas em Marselha e na travessia, uma vez que, pelo motivo da guerra que havia desencadeado na Europa, faltou ração a bordo para a alimentação dos animais. Desembarcaram em Santos menos do que 300 cabeças, magras e abatidas.
Notícia do Jornal Gazeta de Uberaba (17 de maio de 1914) sobre a maior importação de gado até então realizada por um brasileiro.
Em 1917, Armel Miranda novamente retornou a Índia. Dessa vez, acompanhado pelos também uberabenses Quirino Pucci e Josias Ferreira de Morais. Após chegarem a Bombaim os importadores seguiram para Ahmedabad, onde estabeleceram contato com os "lambardis" - ou "vaqueiros". A partir de então, percorreram zonas de criatórios em Palampur, Radhampur, Tharad e Kutch. A travessia do gado se deu através de uma embarcação japonesa que circunavegou o continente africano pelo sul até atingir o Oceano Atlântico que, finalmente navegou até Santos, sem contratempos como na viagem anterior.

Gado reunido adquirido por Armel Miranda, Quirino Pucci e Josias de Almeida. Índia, 1917. Acervo: Museu do Zebu..
Além de importador, Armel Miranda foi um dos mascates pioneiros na região do Triângulo Mineiro, sendo um dos responsáveis pelo início da difusão da pecuária zebuína no Brasil. Em 1911 vendeu cerca de 250 animais nos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Devido a este fato, é considerado um dos introdutores do zebu na região Sul do País. Segundo relato de Weiss (1956), enviou cerca de 4 mil animais para esta região nos anos posteriores. Em fins de 1916, o "zebuzeiro" contribuiu também para a expansão do mercado na região Norte, com regulares partidas de reprodutores, principalmente ao estado do Pará.
Miranda foi pioneiro também na exportação, realizando as primeiras viagens ao exterior para vender o gado zebu do Triângulo Mineiro. Numa dessas viagens, embarcou no ano de 1923, em direção ao porto de Veracruz no México, 200 reprodutores. Próximo ao desembarque, o navio que transportava os animais encalhou, permanecendo 12 dias, até que pudesse descer no solo mexicano. Dos animais, apenas um não resistiu aos efeitos da viagem. Contudo, devido a difícil absorção do gado pelo mercado mexicano em virtude de um momento de instabilidades econômicas e aos conflitos político-sociais desencadeados na região, as negociações com o incipiente mercado foi fortemente abatida. Tais transações estavam enquadradas em um acordo diplomático comercial travado entre o Brasil e México para exportação de produtos nacionais ao país da América do Norte.
Animais adquiridos por Armel Miranda e Quirino Pucci com o Grand Hotel ao fundo. Índia, 1917. Acervo: Museu do Zebu.
A importação de gado zebu do Triângulo Mineiro para o México seria o primeiro grande intercâmbio comercial em grande escala os dois países em todos os tempos. No livro: Intimidades, conflitos e reconciliações: México e Brasil, 1822-1993 de Guilhermo Palacios (2008), o historiador credita o fracasso da transação a um " [...] cálculo errado dos criadores motivou que a oferta superasse a demanda" e a descrença no conflito mexicano por parte do brasileiro, elevou a intensos atritos, a incipiente relação comercial entre os países.
Aáron Sáenz, secretário de R. Exteriores do México, Regis de Oliveira do Brasil, Genaro Estrada e sua esposa. Setembro de 1923. Fonte: PALACIOS, 2008
Em janeiro de 1924, quando a rebelião das forças de Huerta contra a imposição de Plutarco Elías Calles como sucessor de Obregón se tornava forte no Estado de Veracruz, a alfândega do porto foi ocupada pelos sublevados que exigiram a retirada de todos os produtos armazenados com o respectivo pagamento de direito, sob pena de leiloá-los. (...) Pouco tempo depois, os mesmos rebeldes se apoderaram de 55 cabeças de gado zebu que ainda seguia ancorado no porto sem encontrar ofertas. (PALACIOS, 2008, p. 208)
Apesar do gado recuperado, o governo mexicano não pagou o frente de viagens que importadores brasileiros haviam tratado nas negociações. Isso se deveu, em parte, à imensa crise gerada na região ocupada pelos rebeldes.
Autor: Thiago Riccioppo - Historiador, Mestre em História pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU; Gerente Executivo do Museu do Zebu/ABCZ e colaborador do CRPBZ.
CENTRO DE REFERÊNCIA DA PECUÁRIA BRASILEIRA - ZEBU