Theófilo de Godoy, primeiro brasileiro a buscar Zebu diretamente na Índia Voltar

Você está em: Memórias do Zebu » Importações de Zebu para o Brasil » Terceira Fase (1898 - 1921) Publicado em 11/09/2015 às 16:10:46 - atualizado em 28/11/2016 às 18:36:35
Fotografia de Godoy, início do século XX. Fonte: MZ.

O mineiro de Araguari foi o primeiro a pisar em solo indiano com a finalidade específica de adquirir zebuínos. Esse feito, após inúmeras etapas e paragens, concretizou-se em 1898, quando o importador trouxe do longínquo continente asiático oito cabeças de gado. Considerando os percalços do período, o final do século XIX demandava um Brasil em que as viagens envolviam burocracias e contratempos dos mais variados tipos. Theófilo atravessou diversas cidades mineiras, passando por São João Del Rei e Ouro Preto, até chegar ao Rio de Janeiro. Em seu diário, o importador narra um encontro com tropas chamadas para bater a Revolução Gasparista no Rio Grande do Sul em um trem que o levava à capital durante uma viagem noturna.

Na capital, ao obter apoio da embaixada Brasileira que deveria partir para a China ainda em 1898, o importador declarou ter sido animado pelas autoridades a prosseguir com a viagem e acompanhar a comitiva de diplomatas que se preparava para atravessar os mares naquele momento. Sem domínio do idioma inglês, Godoy embarca no navio a vapor Galicia da "Pacif Steamer Navegation Company", que estava ancorado em Niterói. Toda a tripulação recebia as orientações em língua estrangeira, o que segundo ele, o fazia sentir desde então saudades do Brasil e considerar-se um estrangeiro perdido em meio a um universo demasiado diferente do seu.


Avenue du Bois de Boulogne, fotografia do final do séc. XIX. (Fonte: Old Postcard.)

O Galícia ancorou em Bourdeaux, onde desde esse momento, Godoy não soube esconder a fascinação causada pelas paisagens arquitetônicas e campestres da Belle Époque francesa. Suas descrições emitem um fulgor literário notável, deixando transparecer profundas comiserações inspiradas pela monumental capital parisiense. Nesse ínterim, foi capaz de descrever o encontro que teve com a criação de diversos animais, entre eles o Zebu, naquela que considerou como "utilíssima" - a Escola de História Natural no centro do Bosque de Boulogne, um "paraíso" entre os modernos e tradicionais jardins de aclimação que existiam no país à época.

 

(...) Alli existem todos os animais do mundo, perfeitamente abrigados conforme sua natureza. Entre os animaes de utilidade distingui-se os bovinos de todas as raças, cujas vaccas leiteiras produzem boa renda. Está sempre o Zebú da Índia em primeiro lugar, como bello, forte e leiteiro. (...) Notei mais que o gado de consumo francez não leva vantagem ao brasileiro, sendo como este cruzamento de diversas raças.

 

(GODOY, Theófilo. Diários, 1903)


Theófilo de Godoy brinca com ovelha em fazenda no Triângulo Mineiro. Fonte: Museu do Zebu, s/d.

Depois da França, Godoy chegou à Suíça e, posteriormente, à Itália. Novamente demonstrou júbilo diante dos requintes da cidade de Milão, não podendo dizer o mesmo de Lucerna. Comparou os suíços aos "tipos ingleses", os quais, segundo ele, "não primam pela beleza". Não há nada errado em tirar suas próprias conclusões, sejam elas exageradas ou não. Isso comprova o quanto a riqueza dos detalhes e o modo de compreensão variavam entre os primeiros importadores que ousaram aventurar-se nesses tempos.

 

Templos católicos, igrejas e mesmo o mármore dos cemitérios são descritos por ele como imensos e reais "quadros vivos". A descrição do porto de Gênova, no Mediterrâneo, é acompanhada de um deslumbramento ímpar. Muitos dos carros de transporte eram puxados por mestiços de bois indianos, qualificando-os como os "melhores cruzamentos" que havia visto até então na Europa.


Casa onde viveu Teófhilo em Araguari. Acervo: MZ.

Passados muitos dias alternados entre surpresas e alguns entraves, chegou até a África aportando em Alexandria, grande cidade situada às bordas do Mediterrâneo. Perambulou pelo Egito, passando pelo rio Nilo até chegar no Cairo, onde, segundo seu testemunho, era notória a relevância do comércio árabe e o islamismo. As pirâmides e outros vestígios do Egito Antigo foram alvo de relatos preciosos. O comércio alimentado pelo turismo fortuito e ilegal era acompanhado por valores excessivos, segundo suas anotações. Extorquidos pela população egípcia, muitos viajantes, inclusive os ingleses, entravam constantemente em desavença com o povo, que encontrava na ocasião uma forma de sobreviver ao Neocolonialismo. Considerando a pecuária egípcia, Godoy registrou o contraste observado por ele mediante a criação do gado bovino nessa região.

 

(...) O gado bovino do Egypto é todo búfalo preto e vermelho, creados presos no cabresto à sombra de árvores, nas portas de seus donos, que todos os dias levam-no ao lago onde deitam-se e revolvem-se na lama deixando de fora só as narinas e as longas orelhas, em forma de trombetas. Há também, gado europeo indiano, cruzamento de várias raças, que se prestam melhor ao trabalho da lavoura. O búfalo é melhor leiteiro.

 

(GODOY, Theófilo. Diários, 1903)


Imagem do Navio Ataka (ao fundo), por onde o importador teria navegado em alguns momentos de sua viagem. Acervo: Ferry Boats, England.

Ao atravessar o Canal de Suez conseguiu chegar finalmente em Bombaim, na Índia inglesa. A bela vista das docas da cidade comprovava a importância comercial dessa cidade exótica. Ali foi possível perceber a suntuosidade das estações férreas "admiráveis pela extensão e gosto arquitetônico". Os palácios, templos e edifícios também chamaram a atenção por estampar a profundidade dos costumes e das tradições "maometanas". Na medida em que conviveu com a exploração de determinados islâmicos que, segundo ele, não hesitavam diante da oportunidade de extorquir algum dinheiro, chegando a classificá-los como "hipócritas religiosos e usurpadores".

 

Em certas situações, teve que sacar a arma para se defender das agressões, o que colaborava para a ocorrência de certo desentendimento entre ele e as autoridades estrangeiras. Ao narrar suas paragens de maneira expontânea, o viajante não pode deixar de exteriorizar o choque cultural existente entre o Ocidente e o Oriente naqueles tempos. A argumentação a respeito da diversidade dos costumes que existiam nos locais pelos quais atravessara é capaz de despertar o olhar antropológico entre os estudiosos. Seu protagonismo é apenas um entre tantos outros sujeitos históricos que deixaram registros sobre o período.

 

É bastante longa a análise que o importador faz em seu diário sobre a pecuária na Índia. Apesar de comentar detalhadamente sobre várias espécies existentes e o modo como são criadas, faz considerações sobre o Zebu permitindo notar a grande variedade das sub-raças que o compõe. Menciona a falta de zelo com o cruzamento dos animais em certas ocasiões e os cuidados que os ingleses tiveram em reconhecer a boa adaptabilidade dos zebuínos, conferindo-lhes a criação em campos pastoris de boa qualidade em suas colônias. Ao retornar para o Brasil trazendo alguns exemplares, Theófilo de Godoy demonstrou sua perspectiva como pioneiro das importações por acreditar na prosperidade que o animal poderia trazer aos criadores, mesmo vivendo naqueles anos que marcaram o temido alvorecer do século XX.

 


Recorte de Jornal sobre nota de falecimento do importador mineiro. Acervo: O Triângulo, 1935.

Sobre o seu retorno ao Brasil, Theófilo de Godoy comenta em seus escritos:

 

Em Outubro de 1903, pelo vapor Ataka, da companhia inglesa Woods Sons, despachei de Bombaim para Marselha 13 zebus, número que foi elevado a 14 animais mares da Índia, pelo nascimento de uma bezerra. Em Marselha, nasceu outra bezerra, nas cocheiras do Jardim Zoológico, onde as coloquei, reembarcando para Santos no vapor Aquitaine, da Cia Transportes Marítimos. Esse vapor, saído de Marselha em dezembro, só chegou a Santos em 14 de fevereiro, por ter ido primeiro a Buenos Aires, receioso de atritos com a esquadra revoltada no Rio da Janeiro. Desembarcados em Santos, foram despachados no mesmo dia para Uberaba e seguiram logo para Araguari, por terra, tendo viajado ainda 24 léguas. Em poucos meses reconstituíram-se acontecendo o notável fato de ter dado nova cria da vaca que parira a bordo, nos mares da Índia, isto é, dez meses depois, podendo-se por isso asseverar que ela foi fecundada a bordo.

 

(GODOY, Theófilo. Diários 1903).

 

Autores: Thiago Riccioppo, Historiador, Mestre em História pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU; Gerente Executivo do Museu do Zebu/ABCZ e colaborador do CRPBZ e Mimi Barros: professora, educadora, historiadora do Museu do Zebu/ABCZ e colaboradora do CRPBZ.


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