Entrevista do pesquisador da Embrapa Geraldo Bueno Martha Júnior sobre sustentabilidade na pecuária Voltar

Você está em: Sustentabilidade » Assuntos em debate Publicado em 21/09/2015 às 12:27:28 - atualizado em 21/09/2015 às 12:58:30
Na imagem - Geraldo Bueno Martha Júnior. Fonte: Embrapa

Avançar com produtividade, tecnologia e sustentabilidade

Com possibilidades reais de atender a crescente demanda mundial por alimentos, especialmente carnes, o Brasil é apresentado pelo pesquisador da Embrapa, Geraldo Martha, como importante player global nos próximos 20 anos. Mas para alcançar uma posição de maior destaque no cenário internacional será preciso produzir com sustentabilidade, a preços competitivos, e atender às crescentes exigências dos consumidores, especialmente quanto à qualidade dos produtos.

Nesta entrevista, o engenheiro agrônomo formado pela Universidade de São Paulo/ ESALQ, Pós-Doutor em Economia pela UnB e coordenador-geral do Sistema de Inteligência Estratégica da Embrapa (Agropensa), fala sobre as perspectivas para a pecuária brasileira e comenta os principais desafios para avançarmos em produtividade e sustentabilidade.

 

Revista ABCZ: Quais são, na visão do senhor, as principais oportunidades e os desafios para a pecuária brasileira nas próximas décadas?

 

Geraldo Bueno Martha Júnior: Até 2030, espera-se sustentada expansão na renda per capita, em particular nos países emergentes e na classe média mundial. A região da Ásia-Pacífico concentrará cerca de 60% da classe média do mundo em duas décadas, que deve aumentar em aproximadamente 3 bilhões de consumidores, passando de cerca de 1,8 / 2,0 bilhões, nos dias atuais, para quase 5 bilhões de pessoas em 2030. Esses fatos, aliados à crescente taxa de urbanização e mudanças nos hábitos alimentares, mantêm aquecida a demanda por produtos agropecuários, como carnes e frutas. O Brasil, como grande player global na produção desses produtos e com potencial de avançar em produtos mais elaborados e de maior potencial de agregação de valor, tem possibilidades reais para a expansão e consolidação das suas exportações ao longo dos próximos 20 anos. Entretanto, em uma visão de futuro, para expandir e se consolidar em novos mercados não bastará apenas aumentar a produção. Será preciso produzir com sustentabilidade, a preços competitivos, atendendo às crescentes exigências dos consumidores, por exemplo, quanto à qualidade dos produtos.

 

Revista ABCZ: "A expansão da produção de carne bovina brasileira se deu, prioritariamente, em razão do aumento da produtividade". "Os ganhos de produtividade da pecuária promoveram gigantesco efeito poupa-terra", são frases do senhor. Quais foram os ganhos da atividade pecuária com a produtividade e em que exatamente a pecuária brasileira ainda precisa avançar em termos de produtividade?

 

Geraldo Bueno Martha Júnior: Mais de 90% da carne bovina produzida no Brasil é proveniente de rebanhos mantidos a pasto. Nesses sistemas de produção, a produtividade é obtida pelo produto entre desempenho animal (ganho de peso) e taxa de lotação (cabeças por hectare). Parte significativa dos resultados da modernização da pecuária brasileira ocorreu a partir de meados dos anos 1990, quando a produtividade cresceu a mais de 6,5% ao ano e o desempenho animal explicou 65% desse ganho. Nas últimas décadas, os ganhos de produtividade explicaram 79% do crescimento na produção, enquanto a expansão de área de pastagem respondeu por menos de 21% desse avanço. Sem esses ganhos de produtividade, uma área adicional de 525 milhões de hectares - 25% superior ao Bioma Amazônia do Brasil - seria necessária para obter a mesma produção de carne bovina registrada em 2006 (o estudo completo se encontra em http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0308521X12000340).

Como avançar? A estratégia de produção será determinada pela disponibilidade de tecnologias que podem ser adotadas pelos produtores, pelos recursos/fatores de produção disponíveis e pelos preços relativos. Para retornos econômicos consistentes e sustentados no tempo, é preciso realizar investimentos nos componentes da produtividade, ou seja, desempenho animal - peso a desmama e ganho de peso pós-desmama - e taxa de lotação (fertilidade do solo).

 

Revista ABCZ: O senhor mostra que mais de 60% do território brasileiro (e dos recursos naturais associados) está preservado. Como podemos explicar então tantos ataques à agricultura e pecuária?

 

Geraldo Bueno Martha Júnior: Esses fatos são bem conhecidos da comunidade científica. Temos que levar essas estatísticas para o grande público para que suas percepções e opiniões sejam feitas com maior grau de informação. No que tange ao desmatamento e à consequente perda dos ecossistemas e sua biodiversidade, verificou-se uma expressiva e consistente queda nas taxas de desmatamento nos biomas brasileiros nos últimos 10 anos. Fatores importantes para essa redução expressiva nas taxas de desmatamento têm sido a disponibilidade de tecnologias e os melhores termos de troca - que impulsionam ganhos de produtividade da agropecuária -, a governança mais eficiente na fronteira agrícola e o efetivo comprometimento do setor privado. Como resultado, o Brasil é a única potência agrícola que mantém cerca de 60% do seu território preservado. Os níveis relativamente baixos de antropização dos biomas brasileiros indicam que parcela importante do patrimônio do País continua preservada. Isso explica o porquê de o Brasil receber o índice máximo de potencial de biodiversidade (valor "100") dos relatórios independentes do Banco Mundial. Evitar uma expansão futura considerável da área antropizada implica planejamento, investimento (capital e humano) e ações multidisciplinares e coordenadas para equacionar os diferentes desafios que se acumulam nas esferas econômica, social e ambiental.

 

Revista ABCZ: Como a intensificação da produção pecuária pode colaborar para minimizar a emissão de gases de efeito estufa e captura de carbono?

 

Geraldo Bueno Martha Júnior: Em diferentes vertentes. Com maior desempenho animal, quer seja em sistemas de pastejo ou em confinamento, há redução nas emissões de metano por unidade de ganho de peso (ou produção de leite). Em outras palavras, há redução na intensidade dessas emissões. A ampliação dos ganhos de produtividade determinam, adicionalmente, efeitos poupa-terra, que é a área de terra que deixa de ser cultivada em razão de progressos tecnológicos que aumentam a produção por unidade de área. Com a expansão da produtividade são estabelecidas oportunidades para a redução das taxas de desmatamento sem comprometimento da produção. A capacidade das pastagens produtivas capturarem mais carbono da atmosfera e o estocarem no solo (i.e. aumento da matéria orgânica do solo), representa uma importante estratégia de mitigação de gases de efeito estufa. E não apenas de mitigação, o aumento na matéria orgânica do solo é importante para as estratégias de adaptação, em razão do maior armazenamento e eficiência de uso de água e de nutrientes no solo, e menores perdas por escorrimento superficial e por erosão.

 

Revista ABCZ: O Brasil detém 12,6% dos recursos hídricos renováveis do mundo, pelas estatísticas do Banco Mundial (e 15,2% pelas estatísticas do WRI). Uma parcela considerável de água é utilizada para produção de alimentos. A falta de água já afeta a população de várias cidades brasileiras. Quais os desafios do setor nessa questão?

 

Geraldo Bueno Martha Júnior: Um desafio importante centra em ampliar a comunicação dos conhecimentos científicos e das tecnologias com a sociedade. Considere a questão da pecuária e recursos hídricos. A pressão da produção pecuária sobre os recursos hídricos é modesta quando olhada pela ótica da quantidade demandada para água de beber. Não obstante, a produção de forragem apresenta uma elevada demanda por fluxo de água. Estima-se que sejam necessários cerca de 200 kg a 300 kg de água para cada kg de massa seca produzida. Parcela significativa da água permanece temporariamente indisponibilizada no processo de produção de forragem, mas a quase totalidade dessa água retorna ao sistema via ciclo hidrológico. Na metodologia usual de pegada hídrica, que atribuem 15 mil litros de água para cada kg de carne bovina produzida, cabe lembrar que cerca de 95% desse montante estimado é a chamada "água verde". Essa é exatamente aquela água armazenada no solo que será transpirada pela planta e que não é perdida, pois retorna ao sistema via ciclo hidrológico! Além disso, a métrica usual da pegada hídrica também não distingue a demanda por fluxo de água vis-à-vis a demanda efetiva de extração de água do sistema (forragem, produto animal). Pior, não considera "a pegada hídrica" do agroecossistema, como a pastagem, frente ao ecossistema nativo que foi substituído. Quando isso é feito, o ecossistema nativo pode, inclusive, ter desempenho hídrico pior do que aquele registrado em pastagens. Esses fatos sinalizam para a importância de o País avançar, com determinação e de maneira rápida, no estudo de métricas e indicadores de qualidade dos sistemas agropecuários e florestais no seu sentido amplo. O foco em condições tropicais e subtropicais é particularmente importante.

 

Revista ABCZ: O senhor coordena as atividades do Agropensa. O que é e qual o objetivo desse sistema? Quais os resultados já alcançados desde o lançamento em 2013?

 

Geraldo Bueno Martha Júnior: O Agropensa é o Sistema de Inteligência Estratégica da Embrapa (www.embrapa.br/agropensa), e há pouco mais de dois anos, vem trabalhando para aportar conhecimentos e informações para apoiar a formulação de estratégias de pesquisa, desenvolvimento e inovação para a Embrapa e parceiros. Em colaboração com as nossas equipes e com parceiros externos à Embrapa, estamos trabalhando em diversas frentes. Nossa meta é apresentar à Embrapa e à sociedade um grande estudo por ano. Ano passado, em 2014, foi apresentado o documento "Visão 2014-2034: o futuro do desenvolvimento tecnológico para a agricultura brasileira" (https://www.embrapa.br/agropensa/documento-visao), que traz referências interessantes para reflexão, consolidadas a partir de uma extensa lista de documentos de apoio, seminários, relatorias e publicações de outras instituições. Para este ano de 2015, avançamos no estudo "Cenários exploratórios para o desenvolvimento tecnológico da agricultura brasileira", em parceria com a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE-PR) e com contribuições de representantes das cadeias produtivas agropecuárias e afins. A partir de junho, inicia-se uma importante fase para discussão mais ampla desses cenários exploratórios, buscando o aprofundamento de questões-chaves e as implicações desses cenários exploratórios com recortes mais específicos.

 

Reportagem: Laura Pimenta, para Revista ABCZ

 


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