Wirmondes Martins Borges, entre a dor a glória na importação de Zebu da Índia
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Memórias do Zebu » Importações de Zebu para o Brasil » Terceira Fase (1898 - 1921)
Publicado em 26/10/2015 às 16:39:20

Na terceira ida de João Martins Borges à Índia em 1917, seu irmão mais jovem, Wirmondes Martins Borges, viajou em sua companhia a pedido do pai, o fazendeiro Cel. Joaquim Martins Borges. Na ocasião, Otaviano Borges Júnior, primo dos irmãos Martins Borges, foi escolhido também para auxiliar o ambicioso projeto de aquisição de "Zebu puro" naquele "país exótico". Em 15 de agosto do mesmo ano seguiram os três moradores do Triângulo Mineiro para o Rio de Janeiro a fim de embarcar no vapor que os levaria, à princípio, para a Europa. As condições eram difíceis - em face dos conflitos internacionais que ocorriam em plena Primeira Guerra Mundial.

Wirmondes, João e Otaviano em fotografia de 1917, na Índia. Acervo: MZ
Ao chegar em Marselha levaram em conta a impossibilidade de realizar a travessia até ao Oriente pelo mar Mediterrâneo. Devido à guerra, estavam proibidas as viagens de navios de passageiros desde àquela região até o Canal de Suez. Assim mesmo, os três embaracam no vapor City of Manchester com a estratégia de acessar novamente o mesmo caminho de entrada pelo Estreito de Gibraltar, para depois dirigirem-se pela a costa do continente africano até seu extremo sul na Cidade do Cabo. Em seguida abandonaram o navio e rumaram para Durban, de trem de ferro, onde tomaram outra embarcação que os levariam ao Ceilão. De lá, por meio de um cargueiro norueguês, conseguiram acessar finalmente Bombaim, na Índia.
O trabalho de seleção de compra de gado Guzerá iniciou-se de forma muito favorável. Várias regiões estiveram no roteiro e os menores detalhes foram criteriosamente avaliados para escolha dos animais. Naquele contextos, entretanto, as dificuldades eram inúmeras, pois o dinheiro que o grupo esperava demorava muito para chegar, além de outras burocracias contábeis que eram com frequência barradas pela alfândega. É certo que as diferenças culturais também geravam outros entraves.

Otaviano Borges e Virmondes Martins Borges, o segundo e terceiro respectivamente com importadores em uma fazenda de criação na Índia. Acervo: MZ, 1919.
Para sanar o problema, a saída era negociar os trâmites para acessar os recursos enviados por criadores uberabenses às agências bancárias britânicas na Índia. Seguindo o propósito, João Martins Borges viajou até Calcutá, onde adoeceu gravemente. Em apenas cinco dias veio a falecer em 19 de maio de 1918, aos 27 anos, em um quarto do Hotel Continental.
Avisado sobre o fortuito, seu irmão e primo rumaram à cidade e providenciaram o enterro no Christian Cemetery. A necessidade de prover o inventário, pois os recursos para empreitada haviam sido depositados em nome de João, fez com que Wirmondes e Otaviano permanecessem no continente por 2 anos seguidos.

Enterro de João Martins Borges no Christian Cemetery, em Calcutá - 1918. Acervo: MZ.
Apesar das adversidades, os jovens continuaram o plano de adquirir e enviar reprodutores ao Brasil. Por meio de um navio da Companhia Marítima Osaka, houve o primeiro embarque de cinco animais zebuínos, muito embora a raça era considerada estranha em várias regiões. Todavia, a entrada dos animais em Uberaba despertou certo alvoroço entre os pecuaristas, situação que motivou encomendas via telégrafo de novos reprodutores das raças Zebu.
Como não podiam acompanhar o gado enviado na maioria dos casos, Wirmondes e Otaviano chegaram a contratar entre 4 a 5 indianos como tratadores durante os percursos. Logo após o desembarque, esses empregados eram repatriados à sua terra. Consta nos registros históricos que em uma dessas viagens, curiosamente, dois indianos de origem mulçumana - Salomé Ali-Babi e Goberiá - resolveram permanecer no Brasil movidos, talvez, pelas dificuldades impostas pela guerra.

Animais no convés do navio durante as importações realizadas pelos Borges no início do século XX. Acervo: MZ.
Finalmente em meados de 1919, Otaviano Borges Jr. foi o primeiro a regressar para o Brasil. Pouco tempo depois seu primo Wirmondes teria feito o mesmo à bordo do navio Himalaia Maru. Como a embarcação era ampla e moderna, vieram com ele cerca de 160 animais, ao passo que nas travessias anteriores eram embarcados de 80 a 100 cabeças aproximadamente. Segundo a família, a aventura encerrou-se ironicamente em grande estilo, apesar do triste destino lançado sobre um deles. Protagonismos como esse, por si só, encerram qualquer tipo de restrições ou dúvidas que possam pairar sobre a relevância histórica dos pioneiros nas importações de Zebu ao Brasil. Ainda melhor quando a memória encontra respaldo em uma farta documentação histórica, como é o caso aqui observado.

Wirmondes em meio aos amigos, em fotografia de 1919 na Índia. Acervo: MZ
Wirmondes enviou também um casal de búfalos para sua Fazenda Esperança em Uberaba. Mais tarde, Antenor Machado Azevedo adquiriu o casal e mais outros dez descendentes dos mesmos. Além do gado, importou ovinos e caprinos e pavões indianos.
Nessas importações, os navios que transportaram os animais pela Companhia Osaka eram: Toyoka Maru, Kifuko Maru, e Kaifuko Maru. Como não podiam acompanhar o gado enviado, Virmondes e Otaviano direcionavam de 4 e 5 indianos como tratadores durante o percurso, logo quando o gado chegava com segurança, esses tratadores eram repatriados a sua terra.
Wirmondes Martins Borges fez jus à grande empreitada que enfrento junto com seu falecido irmão e seu primo Otaviano. Entrou para a história da pecuária brasileira como um nome importante para o seu desenvolvimento. Foi antes de tudo um "zebuzeiro", pois além de importador, distribuiu levas de bons animais por todo o Brasil, dedicando toda sua vida no melhoramento e na promoção das raças indianas.
Autor: Thiago Riccioppo, Historiador, Mestre em História pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU; Gerente Executivo do Museu do Zebu/ABCZ e colaborador do CRPBZ.
CENTRO DE REFERÊNCIA DA PECUÁRIA BRASILEIRA - ZEBU