Alberto Parton, um francês vai à Índia na década de 1920 a serviço de importadores uberabenses
Voltar
Você está em:
Memórias do Zebu » Importações de Zebu para o Brasil » Terceira Fase (1898 - 1921)
Publicado em 06/11/2015 às 10:10:32
- atualizado em 28/11/2016 às 18:18:00

Em 1906 foi a vez dos criadores de Uberaba/MG, Teófilo Rodrigues da Cunha e Geraldino Rodrigues da Cunha financiar a viagem do emissário e engenheiro francês Alberto Parton ao continente asiático para compra de zebuínos indianos. O objetivo da expedição foi cumprido com sucesso, pois foi comprado um lote de 40 zebuínos da raça Guzerá que chegaram as fazendas destes criadores em perfeito estado. (LOPES & REZENDE, 2001 p. 33).
Na segunda viagem realizada em 1907, Alberto Parton teve a finalidade de comprar reprodutores para abastecer um número maior de criadores do Triângulo Mineiro. Na Índia, Parton assiste a uma exposição de gado Ongole em companhia de Leite Castro, comissário do governo mineiro.
A viagem de volta esteve carregada de intempéries, uma vez que o navio que trazia o gado foi abatido por fortes temporais do Oceano Índico, assim, cerca de 36 animais naufragaram. Ao desembarcar em Santos em agosto de 1907, os 34 animais restantes rumaram para Uberaba/MG, sendo vendidos a Lucas Borges de Araújo, Manoel Borges de Araujo, Aristides Borges de Araujo, Lindolfo Mendes dos Santos e Zacharias Machado Borges.
Anos depois, Alberto Parton escreveu em 1920 suas impressões quanto ao desenvolvimento do gado indiano em Minas Gerais na Revista Agrícola. Embora o pesquisador Alberto Alves Santiago (1986) considerar um tanto exagerado algumas observações, o que é verdade, as avaliamos como excelentes fontes históricas para serem descritas, haja vista de certas peculiaridades apresentadas neste verdadeiro tratado sobre as vantagens do zebu.
O zebu (Bos indicus) originário da Índias Orientais, é essencialmente o animal da raça bovina tropical. Criado em regiões onde chove 2 a 3 meses cada ano e onde o termômetro sobe até 50º , o Zebu suporta as maiores secas e altas temperaturas, contentando-nos com mais parcas forragens e vive, desenvolve e engorda lá onde qualquer raça bovina definharia. Todos os países europeus e os mais adiantados na indústria pecuária, embora possuíndo as mais finas raças bovinas, têm introduzido o zebu nas suas colônias tropicais, com a Inglaterra no Egito, na África Oriental, na Ilha da Trindade; a França na Ilha de Madagascar, na Áfica Oriental; a Holanda nas Ilhas de Java e Sumatra; a Bélgica, no Congo etc.
O zebu puro sangue indiano, introduzido no Brasil em primeiro lugar por fazendeiros do Estado do Rio de Janeiro, tem hoje o seu centro mais importante no Triângulo Mineiro e principalmente no município de Uberaba, donde saem todos os anos milhares de reprodutores para os Estados de Goiás, São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e todos os Estados do Norte do País. O gado embora viva e prospere com a mais pobre alimentação é apto como qualquer outra raça a adquirir um grande desenvolvimento, por uma alimentação rica e azooatada. É hoje comum encontrar animal de sangue zebu com o peso de 1.000 quilogramas nos campos artificiais do Triângulo Mineiro.
O gado Zebu é o gado preferido:
1º Pelo criador por causa da grande rusticidade, rusticidade necessária, tendo em vista as rigorosas secas e as epizootias que têm assolado todas regiões criadoras do Brasil nestes últimos anos; a mortalidade de bovinos zebus de idade de 0 a 2 anos é apenas de 4 a 5% quando as outras é de 20 a 30% e mais. Por causa de sua grande precocidade a vaca zebu dá sua cria aos 2 e meio anos de idade. O novilho zebu é vendido pelo criador aos 3 anos, quando o de qualquer raça nacional é de 5 e 6 anos. Por causa de sua grande proficidade a vaca zebu deixa invariavelmente uma cria cada ano. Por causa de sua natural imunidade contra doenças do carrapato, dita "tristeza", e contra o berne, devido a sua judiosa seleção feita pelos criadores de gado de cor baia, cor não perseguida pela mutuca preta e afinal por sua mansidão.
2º Pelo negociante de gado ou boiadero, por causa de sua resistência e suportar as longas viagens de 100 e 200 léguas, que sua boiada tem que se caminhar para alcançar as zonas de engorda e a aftosa, que tantas vezes ataca a boiada durante estas viagens.
3º Pelo invernista, por causa da facilidade e rapidez de engorda e sua superioridade de peso.
4º Pelo marchante, por causa de sua grande porcentagem de peso líquido em relação ao peso vivo do animal; o gado zebu é de todas as raças bovinas a que tem esqueleto mais leve; por causa de seu couro, 100% superior ao de qualquer raça.
5º Pelo açougueiro por causa do rendimento em carne e da qualidade desta, preferida pelo consumidor. A carne do zebu tem sido muito bem aceita pelos mercados europeus e achada igual na Argentina. A matança nos matadouros de Barretos e Ossasco, no Estado de São Paulo, é formada de 80% de gado de raça zebu. É unicamente devido a introdução do sangue zebu nas raças nacionais que o Brasil está em condições de começar a exportação de carne congelada para os mercados da Europa.
(PARTON, Alberto. 1920 apud. SANTIAGO, Alberto. 1986 p. 129-130)

Inauguração da SRTM em 1934. Geraldino, finaciador das viagens de Parton, está ao centro. Acervo: MZ.
Como relata Alberto Alves Santiago, o texto do frânces radicado em Uberaba, Alberto Parton acaba exacerbando em alguns pontos em seus argumentos. Contudo, suas observações não deixam de ser pertinentes em vários aspectos. Deve-se considerar o tempo em que o artigo foi produzido, passado quase 100 anos, existem muitas coerências sobre questões que envolvem as qualidades das raças zebuínas como sua rusticidade, resistência a condições adversas de clima e alimentação que vão além de um ufanismo em torno de dar publicidade ao zebu.
É claro que divulgar estas qualidades era uma preocupação muito grande, uma vez que nesse contexto havia uma resistência ao zebu por parte de um bloco monolítico de paulistas que criticavam os criadores mineiros dessa espécie. Dar publicidade era também resultado de um clima de expectativa em investimentos para longo prazo em face de um projeto audasioso que era expandir as raças zebuínas pelo território nacional.
Sobre outro viés, um aspecto bem analisado pelo francês, refere-se à própria condição da região do Triângulo Mineiro de estar já nos anos de 1920, tornando-se pioneira no selecionamento do zebu. Nesta região colocava-se em pauta à observação que a pecuária zebuína poderia resultar em vantagens como a precocidade; a capacidade dos animais de adquirir cifras de pesagens inimagináveis, ante aos tipos de gado que se desenvolveram nos sertões brasileiros por séculos.
Por fim, uma inferência plausível que se pode fazer em analisar tal fonte, é que as frequentes buscas de bovinos na Índia por criadores, principalmente de Uberaba, não se davam dentro de uma lógica aleatória. O que se percebe é que a valorização de animais das raças com qualidades era uma condição fundamental avaliada para inúmeros criadores da região, quando esses levavam em conta os resultados positivos que estavam obtendo em suas fazendas.
Autor: Thiago Riccioppo, Historiador, Mestre em História pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU; Gerente Executivo do Museu do Zebu/ABCZ e colaborador do CRPBZ.
CENTRO DE REFERÊNCIA DA PECUÁRIA BRASILEIRA - ZEBU