Idelfonso Santos, um brasileiro percorre a Índia para Celso Garcia Cid nos anos de 1950
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Memórias do Zebu » Importações de Zebu para o Brasil » Quarta Fase (1930 - 1960)
Publicado em 12/11/2015 às 09:45:11
Celso Garcia Cid nasceu em Tamaguelos, região da Galícia, Espanha. Para fugir do serviço militar, pois havia a possibilidade de ser enviado para África, decidiu comprar uma passagem de terceira classe no vapor Bagé para o Brasil, quando desembarcou no porto de Santos em 26 de dezembro de 1928. Paulo Machado Borges, no livro Memórias de um Zebuzeiro (2012), refere-se a Garcia Cid como um autêntico "self made man", ou seja, um homem que se fez por si só. Uma vez que, com pouquíssimos recursos, o espanhol cresceu rapidamente no mundo dos negócios, num país distante do seu e com pouco apoio e recursos.
Seu primeiro trabalho no Brasil foi como garçom no Hotel Balneário em Santos, onde ouviu conversas de hóspedes ingleses que estavam sendo ocupadas terras de ótima qualidade no norte do Paraná. Machado Borges aborda o início da vida de Celso Garcia no Brasil da seguinte maneira:
(...) Em 1933, Celso Garcia atravessa a balsa do Rio Tibaji, chega até a nova cidade de Cambará, onde trabalha com um grupo de espanhóis e portugueses na construção do Hotel Avenida. Nessa época estava ocorrendo a imigração espontânea de novos colonos que chegavam de todo o país e até do exterior, à procura de oportunidades de trabalho para a realização dos seus sonhos. Com esse pensamento chegou também Celso Garcia, um dos pioneiros da colonização do norte do Paraná. Essa região foi colonizada pela empresa Paraná Plantation, que desejava produzir algodão para suas fábricas em Liverpool, no noroeste da Inglaterra. Essa empresa adquiriu do Estado do Paraná 1 milhão e 246 mil hectares de terras muito férteis e as loteou em pequenas propriedades.
Celso Garcia, logo que ganhou algum dinheiro, comprou um caminhão usado e depois a estrutura de um ônibus, somou os dois e construiu o seu primeiro veículo para transportar passageiros e pequenas encomendas; com essa engenhoca começou a trabalhar entre Comélio Procópio e Londrina. A cidade de Londrina recebeu esse nome dos imigrantes ingleses como homenagem a Londres, a capital do seu país. No decorrer do tempo, a pequena jardineira adaptada que trabalhou durante anos no norte do Paraná ficou conhecida como "Catita" e hoje é a relíquia da empresa Garcia. Trabalhando com ela e mais tarde com outros ônibus incorporados a essa frota, construiu um império no setor de transportes naquela área.
Em 1934, consegue a concessão das linhas da Paraná Plantation e, não tendo recursos para absorver um movimento maior e atender à região, faz sociedade com Mathias Heim, fundando a Rodoviária Heim; porém, desde o início ele pensava em desistir da sociedade. Então, em 1937, Garcia Cid publicou um anúncio no jornal O Estado de S.Paulo, procurando um novo sócio para comprar a parte de Matias. Eis que surge outro espanhol, José Garcia Villar, que compra a parte de Heim, reforça o caixa e fundam a empresa Garcia 8: Garcia Ltda., atendendo à demanda de todo o norte do estado e hoje a diversas linhas de ônibus intermunicipais e interestaduais no país. Trabalharam juntos durante algumas décadas.
(BORGES, 2012 p. 197-198)
Imagem da Jardineira "Catita" - Dela surgiu a Viação Garcia no sul do país em 1934. Hoje é uma das maiores empresas de transporte rodoviário de pessoas no Brasil. Fonte: Garcia Cid.
Com o grande patrimônio formado no mundo dos negócios rodoviário, Celso Garcia Cid adquiriu em 1945 de Luís Deliberador, os primeiros 13 alqueires de terras roxas no município de Sertanópolis. A partir de então, foi comprando sítios vizinhos e ampliando suas terras, até que em 1951, adquiriu da viúva Amélia Gonçalves, 285 alqueires de terra. Foi dessa maneira que se formou a sua importante fazenda de criação - a Cachoeira 2C. Nesse tempo, Celso Garcia Cid plantava café e começava uma pequena criação de gir na Fazenda São João, no distrito de Warta, a 13 km de Londrina.
Para cuidar de suas novas terras, Garcia Cid contou com o apoio de Idelfonso dos Santos, que em apenas alguns anos, iria auxiliar Celso Garcia Cid na grande projeto de importar zebuínos da Índia para o Brasil. Em um depoimento a Domingos Pelegrini Jr., autor do livro "O tempo de Seo Celso" (2000), Idelfonso dos Santos relatou,
A paixão de Celso por bois indianos não parava de aumentar, ao mesmo tempo em que cresciam suas decepções com os animais comprados. Idelfonso testemunhava essas decepções... " - Era a frustração dele naqueles anos, um homem rico, respeitado, ainda na casa dos cinquenta anos, e com aquela amargura, que ele disfarçava, mas para mim contava: - Um dia nós ainda vamos criar zebu do melhor e vamos vender a criadores do Brasil inteiro! Então um dia eu falei: só se a gente for buscar na Índia! Ele ficou balançando a cabeça e pensando". (PELEGRINI JR. 2000).
Imagem de Celso Garcia Cid com o Marajá de Bhavnagar. Acervo: MZ
Com negativas do Ministério da Agricultura para autorizar a importação de zebuínos indianos, o espanhol Celso Garcia Cid decide com seu vaqueiro Idelfonso, enfrentar a importação, mesmo correndo riscos de não conseguir entrar com o gado no Brasil, haja vista que tinha sido baixada a Portaria nº 407 do Ministério da Agricultura que impedia a importação. Durante a preparação da expedição, Idelfonso foi a Uberaba colher informações de roteiros traçados por Pedro Cruvinel Borges, devido ao fato que este iria realizar uma possível importação para Antônio Martins Fontoura Borges, presidente do Banco Nacional de Comércio e Produção. Tal projeto acabou sendo abortado.
Dessa forma, foi contratado como intérprete para acompanhar Idelfonso, o pequeno comerciante persa Nador Kanbatta, poliglota que falava inglês, português e indu, além de dialetos indianos, pois o mesmo havia trabalhado com intérprete no país asiático. Assim Idelfonso Santos partiu para Índia com o intérprete e logo a seguir, em 21 de novembro de 1958, partiu Celso Garcia Cid que encontrou com Idelfonso no dia 24 de novembro no aeroporto de Bombaim. O criador Celso Garcia Cid é informado por Idelfonso que foi encontrada um gir nos moldes idealizados por ambos no estado de Jasdan, região de Kathiawar, um reduto de seleção de gir e cavalos de mais de 2 mil anos.
O plantel do Marajá de Bhavnagar, nessa região, tinha sido confiscado pelo governo indiano anos atrás, e, sem cuidados, foi destruído, ficando apenas alguns animais de elite no Palácio de Jasdan. A palavra gir significa "bois da floresta". Celso e o Marajá de Bhavnagar tornaram-se grandes amigos, e o Marajá chegou a reunir seus animais em sua propriedade, vendendo quase todo o seu plantel a Celso. O Marajá ainda o ajudou a embarcar os seus animais zebu no Porto de Madras, em 15/1/1960, no navio Cora, de bandeira alemã, com destino à Guiana Francesa, em uma viagem que durou 46 dias, com enormes problemas alfandegários devido ao fato de que a documentação do seu gado não tinha destino certo. No desembarque na Ilha de La Mere, na Guiana Francesa, tiveram de fazer baldeação na costa, pois não havia porto na ilha, enfrentando muitas dificuldades num mar bravio e cheio de tubarões. Em 28/6/1960, Celso freta o Vapor Vale da Colônia, empresa brasileira, para ir buscar seu gado zebu na Ilha de La Mere, pois não tinha mais condições de sua manada sobreviver e permanecer na Ilha, devido às pressões políticas e às muitas dificuldades, inclusive de alimentação desses animais. Decidiu então embarcá-Ios para Maracaibo (Guiana Francesa) e desta capital para o Porto Paranaguá. Foram mais de 30 dias de viagem e durante esse período tinha de conseguir a autorização para desembarcar o seu plantel no continente.
(BORGES, 2012 p. 199).
Palácio Nilambag, local onde Idelfonso Santos e Celso Garcia Cid fizeram contato com o Marajá de Bhavnagar. Fonte:Indianphotos, 2013.
Ao desembarcarem na ilha de La Mere, na Guiana Francesa, os importadores tiveram grande dificuldade com as autoridades francesas. No Brasil, a noticia da importação gerava um embate enorme com a SRTM Sociedade Rural do Triângulo Mineiro que acabava por concordar com prerrogativas do Ministério da Agricultura que presumia riscos epidêmicos de animais importados.
Após um intenso dialogo de Celso Garcia Cid com o senhor Mário Cruvinel Borges, então diretor do Serviço de Registro Genealógico da SRTM, acabou o convencendo da qualidade racial dos animais importados, bem como do controle de sanidade que os mesmos poderiam ser jugulados antes de pisarem no solo brasileira. Não obstante, o Sr. Mário Cruvinel Borges levou as observações de Celso Garcia Cid a diretoria da SRTM sob o comando de Adalberto Rodrigues da Cunha que acabou acatando em suas intenções. Nas tratativas com Ministério da Agricultura, o gado finalmente é desembarcado no Brasil em 12 de outubro de 1960, mas deveria ficar em quarentena na Ilha das Cobras, quando finalmente foi liberado em 22 de dezembro do mesmo ano pelo Ministério da Agricultura conforme o documento abaixo.
Documento de liberação da entrada dos animais importados por Celso Garcia no Brasil emitido pelo Ministério da Agricultura. Acervo: MZ
Na Fazenda Cachoeira, em 24 de dezembro de 1960, às cinco horas da tarde, chega o último caminhão do Porto de Paranaguá conduzindo os excelentes zebuínos que Celso Garcia Cid trouxe da Índia, sendo três raças especiais - gir, nelore e guzerá - para a seleção do zebu no Brasil. Em 1962, Celso Garcia Cid traz mais animais da Índia. Desta vez, o quarentenário do gado é realizado na Ilha Fernando de Noronha que, quando liberado é levado para Paranaguá e de lá a fazenda Cachoeira 2C.
Celso Garcia Cid conduzindo o touro importado Arjun na arena em de Londrina em 1961. Acervo: MZ
Em 1965, o Marajá de Bhavnagar faz uma visita a Garcia Cid a Londrina. No parque de exposições da cidade, manda erguer um busto em sua homenagem ao Marajá. Após sua morte em 1972, este parque de exposições recebe no nome de Celso Garcia Cid. Após o falecimento do Marajá de Bhavnagar, Celso Garcia Cid recebe uma carta enviada do Palácio Nilambag de Bhavnagar pelo filho do Marajá, doando seu milenar rebanho a Celso Garcia Cid como um dos seus últimos pedidos em vida. O conteúdo do documento diz,
Caro Sr. Cid,
Estou escrevendo-lhe esta carta para informá-lo que quando se deu meu último encontro com meu pai, logo antes de sua morte, seu desejo era presenteá-lo com todas suas vacas. Nessas circunstâncias gostaria-lhe que à sua conveniência nos visite brevemente e selecione as vacas. Tudo isso, seria um presente para o senhor de meu reverenciado pai. Com nossas melhores lembranças a Sra. Cid e família. Com afetuosas lembranças.
Sinceramente,
Virbhadra Singhji de Bhavnagar
Carta Original do filho herdeiro do Marajá doando o rebanho da família a Celso Garcia Cid. Índia, 1965. Fonte: www.cachoeira2c.com.br
Em outubro de 1966, o Celso Garcia Cid ofereceu ao um dos mais renomados pesquisadores sobre as raças zebuínas na época, Dr. Alberto Santiago, uma bolsa de estudos para pesquisar as raças zebuínas ainda existentes na Índia e no Paquistão. Estavam inclusas as passagens, despesas de viagem e estadia para percorrer todo o território desses dois países, onde ainda existe gado zebu, verificando a real situação da pecuária indiana e paquistanesa naquele momento e a possibilidade da existência de uma nova variedade de Bos taurus ou Bos indicus que futuramente poderia interessar aos criadores brasileiros. Cf. (BORGES, 2012 p. 200).
Celso Garcia Cid faleceu em 22 de dezembro de 1972, em São Paulo e foi enterrado com honras na cidade que ajudou a construir a sua identidade - Londrina-SP.
Torres Homem Rodrigues da Cunha, Veríssimo Costa Jr. (Nenê Costa), Rubico de Carvalho, Jacinto Honório da Silva Filho e Celso Garcia Cid, importadores de 1958 a 1962. Acervo: MZ
Autor: Thiago Riccioppo - Historiador, Mestre em História pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU; Gerente Executivo do Museu do Zebu/ABCZ e colaborador do CRPBZ.
Assista a seguir ao documentário que conta parte da história do criatório de Celso Garcia Cid e a importação de 1960:
CENTRO DE REFERÊNCIA DA PECUÁRIA BRASILEIRA - ZEBU