Pecuária Leiteira: Rebanho bem conduzido não entra na conta do efeito estufa
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Publicado em 01/03/2016 às 14:12:51
- atualizado em 01/03/2016 às 14:18:37
O Brasil é o quarto maior produtor de leite do mundo e tem mais de um milhão de pecuaristas inseridos na base da cadeia. Impressionantes 15 % desse grupo são responsáveis por mais de 80 % da produção. O desnível tecnológico, as grandes oportunidades de crescimento e uma gama de equívocos sobre a sustentabilidade ambiental do setor são temas da entrevista com o pesquisador Luiz Gustavo Ribeiro Pereira. O entrevistado da revista ABCZ é médio veterinário e tem doutorado em Ciência Animal, nutrição de ruminantes, mitigação de gases efeito estufa de origem entérica e pecuária leiteira de precisão são alguns dos temas de maior interesse do pesquisador da Embrapa Gado de Leite.
ABCZ: Se radiografarmos a produção leiteira hoje no país o que veremos?
Luiz Gustavo Ribeiro Pereira: O país é o quarto maior produtor de leite de vaca do mundo e tem um grande número de produtores, mais de 1 milhão. Porém a produção está cada dia mais concentrada e hoje aproximadamente 15 % dos produtores são responsáveis por mais de 80 % da produção nacional. Esta tendência aconteceu nos principais países produtores de leite no mundo e não será diferente no Brasil. Temos um grupo de produtores cada vez mais tecnificado e competitivo enquanto a maior parte dos produtores está cada vez menos competitiva e produzindo menos leite.
ABCZ: Como essa diferença se instala?
LG: Para o primeiro grupo, a adoção de tecnologias é o catalisador do sucesso enquanto que para o segundo o desafio é ter acesso às tecnologias para que possam ter oportunidade de continuar na atividade leiteira. Cenários bastante distintos! Quanto as estatísticas envolvem todos os produtores terminam com índices produtivos que deixam a desejar. Por exemplo, a produção média é 1.525 litros/vaca/ano muito aquém do registrado em países que se destacam na produção de leite como: Estados Unidos, Nova Zelândia, Uruguai e Argentina. Mas isso também se deve a dimensão do Brasil é a forma com a qual os dados gerados, incluindo produtores sem aptidão e vacas secas. De qualquer forma termos muito como evoluir e tecnologias não faltam! Não podemos esquecer que países que se destacam na produção de leite, como o Uruguai, produzem menos leite que o Estado de Santa Catarina, que apresenta produção média de 2.694 litros/vaca/ano. Temos que nos orgulhar disso e outro fato interessante é que o número de fazendas que produzem mais de 20.000 litros/dia vem aumentando a cada ano.
Imagem: Revista ABCZ.
ABCZ: Pode fazer um comparativo com algum período anterior?
LG: Nas décadas anteriores a mão de obra era de baixo custo e disponível, mas hoje em dia é um dos fatores que mais onera o custo de produção de leite, além de estar escassa e pouco qualificada. Assim a eficiência da mão de obra é cada dia mais importante para o sucesso da fazenda leiteira. No mesmo contexto o binômio que une automação e mecanização passou a ser determinante e atividades que no passado eram feitas frequentemente de forma manual passaram a ser executadas por máquinas. A pá para retirada manual de comida do silo cada dia está menos presente nas fazendas, pois vem sendo substituída por desensiladeiras. A ordenha que envolvia bastante mão de obra hoje está mecanizada, e muito projetos já existem sistemas robotizados que dispensam a presença do homem.
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ABCZ: Nesse contexto como tem sido a contribuição do melhoramento genético incrementado nas raças Zebuínas?
LG: O Brasil tem o maior patrimônio genético zebuíno do planeta e está é uma das principais tecnologias que temos disponíveis para aumentar a eficiência bioeconômica dos sistemas de produção. Para exemplificar este potencial, a média de produção das vacas Gir (participantes do teste de progênie) quando se iniciam os programas de melhoramento era inferior a 2.000 kg/ lactação e hoje está próxima dos 4.500 kg/ lactação. Os cruzamentos dos zebuínos com raças especializadas europeias geram animais eficientes para a exploração leiteira tropical sustentável.
ABCZ: Quais são os grandes obstáculos para a adoção de mais tecnologia, e em larga escala, na base da cadeia leiteira?
LG: Muitos produtores não usam por falta de oportunidade, por não terem acesso! Esse é um problema político que requer estratégias efetivas e alguns programas de sucesso já existem no Brasil, como o programa Balde Cheio da Embrapa que vem contribuindo com a melhoria da qualidade de vida de famílias envolvidas na produção de leite. Já o grupo mais tecnificado demanda cada vez mais tecnologias e este é um desafio para as instituições de pesquisa e desenvolvimento públicas ou privadas.
ABCZ: Em que consiste a pecuária leiteira de precisão?
LG: Pode ser definida como uma decisão gerencial amparada em tecnologias da informação e comunicação que permitem a melhoria controle da fonte de viabilidade animal otimizando economicamente, socialmente o desempenho da fazenda leiteira. A precisão melhora o gerenciamento dos rebanhos e permite mensurar indicadores produtivos, comportamentais e fisiológicos em benefício da saúde, produtividade e bem - estar animal.Está baseada na coleta de dados automatizada gerando banco de dados que devem ser interpretados com intuito de prover aos usuários suporte para a tomada de decisão.
ABCZ: Quais são as ferramentas de gestão, de produção e de sustentabilidade empregadas hoje no Brasil?
LG: As tecnologias de precisão permitem aos produtores enfrentarem o cenário cada vez mais competitivo com aumento nos custos de produção e significativa redução da margem de lucro da atividade. É necessário tecnificar, ter boa escala de produção e utilizar animais geneticamente superiores. Dessa forma o uso de tecnologias de precisão está se tornando prática cada vez mais comuns nas fazendas leiteiras. Os dispositivos disponíveis no mercado permitem monitorar a produção, composição, temperatura, presença de sangue, condutividade e contagem de somáticas do leite, ruminação, consumo de alimentos e água, medidores de atividade para detecção de cio, problemas de casco e pesagem corporal das vacas.
ABCZ: Existem movimentos que desqualificam o leite como alimento em comparação com outras bebidas. Qual é a verdade nisso?
LG: Não existe verdade nesta afirmação. O leite (e derivados) é um dos alimentos mais completos que existem a disposição da humanidade e que deve fazer parte da dieta equilibrada do dia a dia. O desequilíbrio, independente dos alimentos que estão sendo consumidos é que causa problemas de saúde como obesidade, hipertensão e aterosclerose, tão comuns na sociedade. Quanto ao impacto ambiental da produção, sabemos que o leite apresenta elevada densidade nutricional e se comparado a outras bebidas como os refrigerantes ou bebidas vegetais (de soja ou aveia por exemplo) a emissão por kg de nutrientes produzindo é muito menor. Uma vaca chega a produzir mais de 300 litros de metano por dia, mas em contra - partida nos fornece um alimento completo e que faz bem para a saúde. Na produção de refrigerantes se emite menos gases de efeito estufa por kg de produto, mas por kg de nutriente está relação muda, com vantagens para leite. Além disso os refrigerantes, ricos em açúcar contribuem para o desequilíbrio em relação ao excesso de açúcar e estão relacionados a problemas de saúde. Vale lembrar que a emissão de metano entérico por ruminantes representa menos de 5 % do total dos gases de efeito estufa de origem antrópica, assim a pecuária leiteira não pode pagar a conta do aquecimento global sozinha.
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ABCZ: Como a produção pecuária brasileira pode contribuir para a redução do impacto ambiental?
LG: Para pecuária de corte nacional, estimativas realizadas na Embrapa, mostram que se a taxa de natalidade de bovinos aumentar de 55 para 68 %, a idade de abate diminuir de 36 para 28 meses e a mortalidade até 1 ano cair de 7 para 4,5 %, poderá ocorrer até 2.025, redução de 18 % na emissão de metano em relação ao equivalente - carcaça produzido. Isso seria possível mesmo com o aumento previsto para a produção de carne nesse período, estimado em 25, 4 %. Ou seja, toda ação que melhore a eficiência do sistema de produção reduz, proporcionalmente, a emissão de metano, uma vez que mais produto (carne, leite, lã, etc.) será produzido em relação aos recursos utilizados.
* Entrevista realizada por Márcia Benevenuto - Jornalista. Fonte: (Revista ABCZ, Edição 90 Jan./Fev. 2016)
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