Origem materna do Zebu brasileiro: O DNA Mitocondrial
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Publicado em 04/07/2016 às 14:55:59
- atualizado em 04/07/2016 às 14:56:43
As raças bovinas podem ser separadas em dois principais grupos, taurinos (Bos taurus) e zebuínos (Bos indicus), sendo que os últimos se caracterizam pela presença do cupim. Embora oficialmente sejam considerados como pertencentes a espécies diferentes, muitos autores consideram indivíduos taurinos e zebuínos como subespécies (Bos taurus taurus e Bos taurus indicus). Além disso, embora taurinos e zebuínos tenham originado de um ancestral comum, eles evoluíram em ambientes bastante distintos e, portanto, na atualidade divergem em muitos aspectos.
Via de regra, os taurinos são animais europeus que evoluíram em regiões de clima temperado, enquanto os zebuínos são animais indianos que evoluíram em regiões de clima tropical. É por isso, que as raças zebuínas (por exemplo, Nelore, Gir, Brahman e Guzerá) se adaptam muito melhor ao clima brasileiro que as raças taurinas (por exemplo, Angus, Simental, Limousin e Holandês).
Devido à sua melhor adaptação ao clima tropical, as raças zebuínas se difundiram bastante no Brasil, embora algumas raças taurinas, como a Holandesa, também tenham grande participação na pecuária nacional devido às suas aptidões para certos nichos. Dentre as raças bovinas atualmente existentes no país, o Nelore, Gir e Guzerá representam a maioria das raças de origem zebuína e o Brahman, Tabapuã e Indubrasil a maioria das raças compostas por cruzamento de raças zebuínas. Estes animais são, em sua grande maioria, descendentes de animais importados da Índia no início do século XIX.
Sabe-se que cerca de 7.000 animais foram trazidos deste país ao longo de uma série de importações que se estenderam até 1960, e que, naquele período, já era criada no Brasil grande quantidade de animais oriundos da Península Ibérica (taurinos). Assim, a importação de machos indianos permitiu a sua rápida disseminação genética, uma vez que estes foram cruzados com as fêmeas europeias já existentes no país.
Portanto, o zebu brasileiro pode ser separado em duas grandes populações: animais puros de origem importada (POI) oriundos do acasalamento de machos e fêmeas zebuínas importadas da Índia, e animais puros de origem (PO), descentes dos mesmos machos zebuínos importados, mas cruzados com fêmeas taurinas. Como as fêmeas descendentes do cruzamento de machos zebuínos com fêmeas taurinas foram por diversas gerações retro-cruzadas com machos zebuínos POI, os animais PO, que hoje representam a maioria dos zebuínos existentes no Brasil, são geneticamente idênticos aos POI.
No entanto, quando dizemos que os animais PO e POI são geneticamente idênticos entre si, nos referimos exclusivamente ao material genético presente no núcleo da célula (DNA nuclear). O DNA nuclear é responsável por guardar a informação necessária para o funcionamento da grande maioria dos eventos celulares, e, portanto, tem grande influência no fenótipo do indivíduo (por exemplo, aptidão para a produção de carne ou leite e características físicas). Esta informação é armazenada na forma de um código, o que permite a sua transmissão de uma geração para a outra, preservando as características de uma raça.
Embora o núcleo guarde a grande maioria da informação genética de uma célula, uma pequena parte desta informação é preservada fora do núcleo, no citoplasma. Esta informação é guardada, em parte, pelo DNA presente no interior de uma organela conhecida como mitocôndria e, por isso, este DNA é conhecido por DNA mitocondrial. As mitocôndrias são organelas responsáveis pela síntese de energia e, portanto, podem afetar diretamente o fenótipo do indivíduo. Em um acasalamento, 50% do DNA nuclear do macho e 50% da fêmea contribuem para o genótipo do descendente. Diferente do que acontece com o DNA nuclear, o DNA mitocondrial é herdado exclusivamente da fêmea (herança materna), não tendo o macho nenhuma contribuição para com o genótipo mitocondrial do descendente. Assim, o DNA mitocondrial de um indivíduo, seja ele fêmea ou macho, é idêntico ao DNA mitocondrial de sua mãe. Isso explica porque grande parte dos zebuínos PO existentes no Brasil possui DNA mitocondrial taurino.
Como no Brasil as fêmeas taurinas foram utilizadas para o cruzamento com machos zebuínos e nas gerações seguintes, os cruzamentos foram sempre realizados entre as fêmeas descendentes e os machos zebuínos POI, o DNA mitocondrial taurino foi passado de geração para geração. Portanto, embora os animais PO gerados por estes cruzamentos possuam DNA nuclear de origem zebuína, o DNA mitocondrial é de origem taurina.
* A Figura abaixo ilustra o esquema de cruzamentos descrito acima para as primeiras cinco gerações descendentes.
BOVINOS
Figura 1. Esquema de acasalamentos para apurar a raça zebu a partir de fêmeas taurinas considerando a herança genética nuclear e mitocondrial. Todos os machos referem-se a zebuínos POI (100% zebuíno para o DNA nuclear e mitocondrial), enquanto que somente a fêmea fundadora era 100% taurina ou POI. As demais fêmeas cruzadas com os machos POI referem-se ao produto do acasalamento da geração anterior.
Estima-se que mais de dois terços dos zebuínos PO que compõem na atualidade o rebanho nacional possuam DNA mitocondrial de origem taurina. No entanto, existem poucos indícios que atestem um efeito de variações na sequência do DNA mitocondrial sobre as características fenotípicas de um animal.
Na verdade estes indícios são oriundos de trabalhos que utilizaram raças taurinas como Hereford e Holandês. Nestes casos, constatou-se que determinadas alterações na sequência do DNA mitocondrial podem afetar características fenotípicas como a produção de leite ou carne. No entanto, até o momento não há evidência clara de um efeito similar no caso dos zebuínos PO e POI de diferentes linhagens maternas. Portanto, por mais que muitos dos zebuínos PO existentes no Brasil possuam DNA mitocondrial taurino, isto não parece afetar significativamente as características fenotípicas dos mesmos, não sendo, portanto, motivo de preocupação para os criadores. De qualquer forma, as linhagens maternas do zebu brasileiro continuam a ser investigadas, tanto para esclarecer a origem desses animais, como para confirmar a inexistência de efeito materno taurino.
Estrutura da Mitocôndria onde se observa o DNA. O DNA mitocondrial traz a herança materna deste os primórdios das origem das espécies. Fonte: Science ABC - Mitochondrial DNA
Nos casos de animais clonados, os indivíduos gerados também não herdam o DNA mitocondrial do animal de interesse. Isso ocorre porque neste procedimento o conteúdo de uma célula da pele do animal de interesse é introduzido num oócito doado por outro animal. Como as células da pele possuem uma quantidade muito pequena de mitocôndrias se comparado com a presente no oócito, os clones produzidos herdam quase que exclusivamente o DNA mitocondrial doado pelo oócito.
Para que os animais clonados herdem o mesmo DNA mitocondrial que o animal de interesse seria necessário utilizar oócitos e células doadas por animais de mesma origem materna. Por esse motivo, algumas associações de criadores de zebuínos do país têm feito este tipo de exigência para poder registrar o animal clonado. No entanto, mais uma vez é importante lembrar que, considerando as diferenças entre animais taurinos e zebuínos em termo de DNA mitocondrial, não se espera que zebuínos POI clonados utilizando oócitos taurinos apresentem uma diferença fenotípica significativa em relação ao animal doador de interesse.
*** Para saber mais, o CRPBZ selecionou para você pesquisas que versam sobre o assunto através de artigos e uma dissertação de mestrado. Confira:
Título: Estimativa da participação do genoma de bos taurus no rebanho nelore (dissertação - GENÉTICA BOVINA)
Autora: Paula Ripamonte
Fonte: Universidade de São Paulo - USP
Ano: 2002
Título: A genômica bovina-origem e evolução de taurinos e zebuínos (artigo - GENÉTICA BOVINA)
Autores: Wilham Jorge
Fonte: Vet. e Zootec. 2013 jun.; 20(2): 217- 237.
Ano: 2013
Título: Caracterização do Haplótipo mitocondrial de uma amostra de Touros da raça Nelore, represetativa das principais linhagens comercializadas no Brasil (artigo - GENÉTICA BOVINA)
Autores: Polyana CristineTIZIOTO; Simone Cristina Méo NICIURA; Adriana Mércia Guaratini IBELLI; Gisele Batista VENERONI; Fabiane SIQUEIRA; Antonio do Nascimento ROSA; Luiz Otavio Campos da SILVA; Roberto Augusto de Almeida TORRES JÚNIOR; Mauricio Mello de ALENCAR; Luciana Correia de Almeida REGITANO.
Fonte: Embrapa Pecuária Sudeste - São Carlos/SP
Ano: 2011
Leitura recomendada:
Meirelles FV, Rosa AJM, Lôbo RB, Garcia JM, Smith LC e Duarte FAM. 1999. Is the american zebu really Bos indicus? Genetics and Molecular Biology, v. 22, p. 543-546.
Méo SC, Ferreira CR, Chiaratti MR, Meirelles FV, Regitano LCA, Alencar MM e Barbosa PF. 2009. Characterization of mitochondrial genotypes in the foundation herd of the Canchim beef cattle breed. Genetics and Molecular Research, v. 8, p. 261-267. Paneto JC, Ferraz JB, Balieiro JC, Bittar JF, Ferreira MB, Leite MB, Merighe GK e Meirelles FV. 2008. Bos indicus and Bos taurus mitochondrial DNA - comparison of productive and reproductive breeding values in a Guzera dairy breed. Genetics and Molecular Research, v. 7, p. 592-602.
Curiosidades científicas:
Uma pesquisa desta natureza revolucionou a compreensão da origem da humanidade, como o estudo pioneiro conduzido em 1986 por pesquisadores da Universidade da Califórnia, onde se concluiu que todos os humanos são descendentes de uma única mulher que viveu na Áfica há mais de 200 mil anos, identificada como o Mais Recente Ancestral Comum - MRCA, (do inglês, Most Recent Common Ancestor). Esta mulher ficou denominada como a "Eva Mitocondrial".
Este estudo possibilitou o lançamento pelo Canal de TV Discovery Channel do documentário: "A Eva Mitocondrial". Assista:
Texto fonte: Beef Point. Adaptações - Equipe CRPBZ
CENTRO DE REFERÊNCIA DA PECUÁRIA BRASILEIRA - ZEBU