O Zebu é o elo entre o homem e o sagrado, a abundância e a produtividade
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Publicado em 20/07/2016 às 15:28:00
- atualizado em 29/11/2016 às 17:45:21

O consumo de carne está ligado à nossa história e essência vital. E se você acha que basta parar de comer para diminuir a matança, está profundamente enganado. Há muito mais produtos no mercado que incluem matéria-prima vinda desses animais. Há substâncias e conhecimentos etéreos, tangíveis e intangíveis que estão relacionados a eles. E a essência vai muito além daquilo que compreendemos. Entenda, em partes, como isso acontece.
Boa parte dos vestuários depende deles, o boi e a vaca. Dos pés dos bovinos saem substâncias que são usadas nos extintores de incêndio. O sangue rende fixador de tinturas, a gordura vira pneus, plásticos, detergentes, velas e no PVC. Cremes, shampoos, cosméticos e similares dependem da glicerina, substância que contém gordura bovina. Isso sem falar nos medicamentos, a cultura, o mito e a religiosidade.
Na verdade, o buraco é ainda mais fundo. A criação de gado foi determinante para os novos rumos pelos quais a humanidade iria seguir desde a Antiguidade para obter o desenvolvimento necessário da vida coletiva. Arar a terra, naqueles tempos, com ajuda da tração animal foi determinante para a abundância dos gêneros agrícolas em uma sociedade que se desenvolvia a passos largos. Foi fundamental na Mesopotâmia, no Egito, na Grécia e outros.
Na opinião do escritor Jeremy Rifkin, ativista polêmico, vegetariano convicto e pesquisador competente - um dos maiores críticos da biotecnologia, e por tabela, inimigo número um do estabilishment científico, o consumo de carne está ligado à nossa história e ao que somos. Em seu Beyond Beef ("Além da Carne", sem versão em português, infelizmente), ele mostra que devemos muitas coisas importantes ao hábito de criar vacas para o abate.
Algumas das primeiras pinturas das cavernas, por exemplo, representavam bois e vacas. Devemos ao consumo da carne nossas primeiras manifestações artísticas e, possivelmente, a origem das nossas religiões - essas pinturas são os primeiros registros que indicam uma humanidade preocupada com o mundo espiritual, na medida em que tentava acertar as contas com os animais que matavam e idealizar o que acontecia depois da morte. A resposta instintiva os levava a conceber os primeiros elos com o sagrado, o Criador.

Pintura Rupestre representando um touro. www.estudopratico.com.br, 2016.
As tribos nômades de cavaleiros que habitavam a Eurásia há seis mil anos ajuntavam o gado selvagem e os criava em pasto natural. Esses pastores cultuavam um deus-touro que era símbolo da força, do poder e da virilidade masculina. Acredita-se, em partes, que o fato desses animais serem assim tão importantes em vários aspectos - como a alimentação, o arado, a caça e a sexualidade - ajudou com que se tornassem ícones dessa estirpe teológica. Os homens das cavernas foram bem intuitivos na questão. Concorda?
A necessidade de aumentar a criação e usar novos pastos fazia deles expansionistas por natureza, tanto que se espalharam pela Índia e até Portugal, na Península Ibérica, onde iriam surgir os primeiros Estados Nacionais Centralizados em uma Monarquia e as primeiras potências ultramarinas do mundo moderno. Um reflexo disso está na língua que falamos. Português, alemão, grego, indiano e persa tem a mesma origem: a língua que esses ancestrais usavam, conhecida hoje como proto-indo-europeia.

Além do boi, como criação e fonte de sobrevivência, as especiarias foram responsáveis pela Expansão Ultramarina. Iluminura medieval dos mares. MUNSTER, S. (século XIV).
Milênios mais tarde, o culto ao touro tornou-se popular entre os romanos do início da Era Cristã. Era o deus Mithra. A Bíblia mosaica menciona severas considerações ao culto do "bezerro de ouro", ou Mamon (que em hebraico significa "dinheiro"). E aí é que vem a bomba: para contê-lo, a Igreja que nascia adotou a data sagrada do 25 de dezembro, no mesmo Dia de Mithra esses povos pagãos. Estava estabelecido o Natal, desde então.
Depois do Concílio de Toledo, em 447, a mesma instituição publicou a primeira descrição oficial do diabo, o que seria a encarnação do mal: um ser horripilante, escuro e com chifres enormes. Uma alusão ao deus pagão, como se vê. É tudo muito assustador? Bom para entender o quanto somos influenciados por culturas que tem, na verdade, uma origem sólida, antiga e espetacularmente ligada aos nosso íntimo espiritual. E, como é de se notar, quase sempre nem percebemos.

Mitra é o touro usado nos sacrifícios à divindade. O mito espalhou-se pelo mundo helênico e romano até o início da Era Cristã. Wikipedia, 2016.
O boi também esteve entre os responsáveis pelo primeiro ato global da História: as Grandes Navegações. Como aconteceu na transição da Idade Média para a Idade Moderna, a carne raramente era transportada fresca, sendo fundamental o uso de temperos e especiarias para a conserva e o disfarce do sabor. A união do útil ao agrdável. Movidos pelo paladar, a religiosidade, o poder e os negócios, o homem começou a expandir a mente e a buscar cada vez mais conhecimento.
Ao mesmo tempo, os pastos agrícolas (ou feudos) estavam em longo processo de esgotamento na Europa, não havendo saída para transportar os rebanhos e mesmo abrigar pessoas. Resultado: os europeus entregaram-se ao tenebroso e desconhecido mar em busca dessas especiarias e, claro, algo mais que poderiam conhecer e explorar. A Índia foi tesouro maior encontrado. E a história do Zebu ali, você já deve saber. Ao tentar encontrar espaço para a população deserdada, e suas crias e coisas, foram além do que imaginaram: descobriram a América.
Hoje, Estados Unidos, Brasil, Uruguai e Argentina somam os maiores rebanhos comerciais do mundo (ao lado da China). Em 1870, boa tarde dos Estados Unidos havia se tornado pasto, mesmo com o Oeste tomado por hordas de Búfalos que serviam de caça para os índios. Segundo Jeremy Rifkin, o governo americano não queria os búfalos, difíceis de manejar, muito menos os índios. Adotaram a matança do bubalino para deixar os nativos com fome, o que de certa forma, mesmo diante de conflitos e resistências registradas pela história, colaborou para o resumo da heroica "Conquista do Oeste".
Foi assim que Cowboys como Buffalo Bill se tornaram lendários por matar até 40 búfalos numa caçada só, segundo o livro. E isso, mesmo que a contragosto de quem tem horror às guerras, foi fundamental para o desabrochar de uma civilização que hoje é o farol cultural da humanidade, mesmo que disponha de certa dose de erros e acertos. Era o ínício de uma saga que até hoje nunca terminou.

Buffalo Bill tornou-se lendários por matar até 40 búfalos numa caçada só durante a Conquista do Oeste nos EUA. Center of West, 2016.
Pouco tempo mais tarde, surgiu uma novidade na indústria nascente da carne: a esteira rolante. Em vez de depender de açougueiros habilidosos, o matadouro podia usar da força de vários operários especializados em muitos momentos nas fábricas. Cada qual fazendo uma ação conjunta em processos diferentes enquanto a carcaça rolava pelos trilhos movediços. Uma verdadeira "linha de montagem" surgia ali, de modo prático e influenciado pela Revolução Industrial. Foi quando certo dia, um mecânico que vivia em Detroit resolveu visitar a fábrica e conhecer de perto o modus operandi. Anos depois, esse mesmo homem admitiria ter sido a indústria do abate uma forte inspiração para a sua própria empresa, batizada em 1903, com o seu sobrenome. O nome desse mecânico? Henry Ford.

Henry Ford, em fotografia da década de 1930 em uma de suas fábricas em Detroit, nos EUA. AmericanHope, 2016.
Gostou de saber disso? E tem mais: agora é possível entender em partes o porquê da sacralização do Zebu na Índia e os textos antigos dos Vedas. A vaca é sagrada desde quando é concebida como o elo essencial entre o Criador e a humanidade, na medida em que atua também como ferramenta facilitadora da abundância e da produtividade do "Todo". Isso é espetacular. Até parece que tudo estava mesmo para acontecer assim. Como uma profecia, uma intuição do futuro, um vislumbre da evolução cultural e política do homem.
Embora seja oportuno não exagerar nas considerações, é seguramente possível ater-se ao fato de que, para que a vida exista e se perpetue, somos movidos por sopros instantâneos de sobrevivência, ainda que penosos ou não, tão necessários à substância vital do ser humano: o alimento, o trabalho e a espiritualidade. Os textos Hindus não estavam, ou nunca estiveram, errados. O mistério encontra-se latente no passado, no presente e no futuro. É só ter "olhos de ver e ouvidos de ouvir".

Detalhe de escultura indiana com o Touro Nandi e um dos avatares hindus dos Vedas sagrados. Indian Art, 2016.
Fonte: Revista Superinteressante, Aventuras na História, Brasil Escola, Wikipédia, Indianartsandreligion.com. (Adaptação Equipe do CRPBZ)
Aproveitando a ênfase industrial, acompanhe a seguir uma deliciosa receita que você pode fazer com patê de carne de vaca enlatada. É delicioso!
Patê de Kitut
*O Kikut é um tipo de presunto industrializado feito de carne de boi. É vendido como enlatado. Tornou-se muito famoso nos EUA durante a 1ª Guerra Mundial (1914 - 1918).
Ingredientes
- 1 lata de kitut de boi
- 1 copo grande cheio de leite
- 1 pacote de sopa de cebola
- 1 lata de creme de leite
- Salsa e cebolinha a gosto
Modo de Preparo
1) Bater todos os ingredientes no liquidificador
2) Retire com uma colher e reserve em uma vasilha que possa ser aquecida
3) Leve ao fogo até cozinhar
4) Junte o creme de leite à massa, depois de fria
5) Misture bem e sirva com torradas ou pão fresco
Observação: Antes de utilizar o creme de leite, deixe-o na geladeira de um dia para o outro. A textura e o resfriamento irá garantir uma receita ainda mais prazerosa ao paladar.
Autor(a): Mimi Barros (Historiadora do Museu do Zebu e colaboradora do CRPBZ)
CENTRO DE REFERÊNCIA DA PECUÁRIA BRASILEIRA - ZEBU