Escala de produção na pecuária: como ela está impactando os negócios do produtor
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Publicado em 05/09/2016 às 14:31:39
- atualizado em 05/09/2016 às 14:57:58

Uma empresa de pecuária de corte, como qualquer outra empresa, tem suas particularidades próprias do negócio em si. Uma das mais evidentes é o montante de capital imobilizado em ativos permanentes (ou imobilizados) e de médio prazo (ou intermediários) como também em custos fixos e em despesas administrativas. Como que estas particularidades impactam o negócio de produção de carne bovina?
Por Adilson Aguiar*
Quando um consultor visita uma propriedade pela primeira vez, com o objetivo de emitir um diagnóstico da situação atual e do potencial da empresa, ele inicia seu trabalho com o inventário dos recursos disponíveis: climáticos, solos, infraestrutura, rebanho, recursos humanos, tecnologias adotadas, recursos financeiros. Ao terminar o inventário é possível diagnosticar que a maior parte do capital daquela empresa está imobilizada no ativo terra.
Em um trabalho apresentado no VI Congresso Latino Americano de Nutrição Animal (CLANA) (AGUIAR, 2014), promovido pelo Colégio Brasileiro de Nutrição Animal (CBNA), demonstrei que em uma fazenda de cria localizada no Mato Grosso, 81% e 89,4% do capital na atividade estavam imobilizados no ativo terra, para proporções de área de reserva legal de 20% e 80%, respectivamente.
O capital imobilizado em terra resulta em um custo de oportunidade do capital investido neste ativo. No diagnóstico da pecuária de corte do Mato Grosso, realizado pela FAMATO:IMEA, relativo ao ano 2010, 16,3% do custo de produção de uma arroba era relativo ao custo de oportunidade do capital na terra (BOVINOCULTURA MATOGROSSENSE: caracterização da Bovinocultura do Estado do Mato Grosso, FAMATO:IMEA, 2011).
Outro fator geralmente apontado no diagnóstico é ofato de que, por menor que seja a propriedade,
há muito capital imobilizado em benfeitorias e edificações: corredores, estradas, piquetes (cercas, bebedouros, cochos, pastagens), curral, casas, galpões. Todos são classificados como ativos permanentes e de baixa liquidez.
Capital em máquinas
É preciso levar em conta ainda o capital em máquinas, implementos e veículos. Em uma propriedade da Bahia, o investimento nestes ativos representou quase R$ 1,114 milhão por hectare de área útil. Por sua vez, estes ativos são classificados como médios e de média liquidez. Os custos fixos representaram 12% do custo operacional, enquanto em propriedades do Paraná e do Pará, em fazendas de ciclo completo, chegaram a 17% e 19% do custo operacional, respectivamente. E em uma propriedade de recria: engorda do Mato Grosso do Sul este valor passou de 71%.
Despesas administrativas
Em muitas empresas as despesas administrativas podem ser representativas. As despesas administrativas das propriedades citadas acima na Bahia e norte de Minas representaram 8% do custo operacional; em propriedades do Pará e do Paraná chegaram a 7% e 13%, respectiva-mente, enquanto em uma propriedade de recria: engorda do Mato Grosso do Sul chegou a 24% do custo operacional. Os custos com mão de obra permanente representaram 17,3% em fazendas do Paraná.
Animais
Muitas vezes o diagnóstico mostra que o número de animais do rebanho é relativamente pequeno e que os custos variáveis para custear este rebanho também são relativamente baixos. Em fazendas de cria no Mato Grosso, o capital imobilizado no rebanho representava apenas 8,1% a 14,5% do capital imobilizado na atividade, para fazendas que tinham que deixar, respectivamente, 80% e 20% da área total para reserva legal, enquanto que em fazendas de recria: engorda aqueles valores variaram entre 9,2% e 16,3% (AGUIAR, 2014).
Saúde econômica da atividade pecuária
A análise das relações, ativos circulantes: ativos médios e permanentes possibilita a avaliação da "saúde" da empresa em termos financeiros. Neste sentido, o que é mais frequente, na quase totalidade dos diagnósticos que tenho feito nos últimos 14 anos, é concluir que a "saúde" das empresas de pecuária de corte vai mal porque a maior proporção do capital está imobilizado em ativos de baixa liquidez e que não impactam a produção e a produtividade diretamente.
Então, qual parâmetro pode ser analisado para diagnosticar se a "saúde econômica" da atividade pecuária vai bem ou mal? A rentabilidade ou o retorno sobre o capital investido no negócio reflete a eficiência de como a atividade vem sendo gerida?
O retorno sobre o capital investido na atividade de cria no Mato Grosso, incluindo o ativo, terra, variou em média entre 2,76% e 1,54% para propriedades que tinham, respectivamente, 20% e 80% de reserva legal, enquanto que em fazendas de recria: engorda o retorno sobre o capital investido variou entre 3,0 e 1,65% para 20 e 80% de reserva legal, respectivamente.
Estes retornos são pouco atrativos em um país onde a taxa básica de juros (taxa SELIC) em 2015 foi em média 13,37%. Com uma infl ação de 10,67% (pelo IPCA), o Brasil continua tendo a maior taxa real de juros do mundo.
Neste contexto, investir em pecuária de corte parece não fazer sentido, ou ser uma decisão irracional, a não ser que seja exatamente uma decisão emocional, ou usando do argumento de ser uma atividade segura (nem tanto hoje em dia por causa da insegurança no campo, dos conflitos pela terra, e da injustiça em relação à atividade agropecuária), ou pela valorização da terra.
De fato, este último argumento é o que mais faz sentido para se entender porque investir em uma atividade de tão baixo retorno. Segundo o relatório de preços de terras constante do ANUALPEC 2015, entre 2012 e 2014 a valorização média no preço da terra no Brasil foi de 55%. Por outro lado, quanto maior for a valorização da terra sem uma contrapartida no aumento da produtividade, mais baixo ainda será o retorno sobre o capital imobilizado, já que o ativo terra terá sua proporção aumentada na composição do valor investido. Mas, mesmo se o produtor decidisse por manter o ativo terra como estratégia de ganhos patrimoniais, ele ainda poderia estar comparando os retornos do seu negócio de pecuária de corte com outras alternativas de uso da terra, tais como produção de cana-de-açúcar, reflorestamentos, produção de látex, de grãos. A pergunta é quais ações deveriam ser tomadas pelo produtor para aumentar o retorno do seu negócio na pecuária de corte? A resposta passa pelo aumento da escala de produção.
Basicamente são duas as estratégias para se alcançar tal objetivo: o aumento da escala pela estratégia do crescimento horizontal, comprando mais terras e mais animais, estratégia tradicionalmente adotada há séculos pelos pecuaristas brasileiros. Ou pela estratégia do crescimento vertical, aumentando a taxa de lotação da terra já em uso e do desempenho dos animais do rebanho, aumentando assim a produtividade da terra. No "benchmarking" 2013 dos clientes da empresa de consultoria Exagro (GARCIA, 2014), fi cou demonstrada a alta correlação entre desempenho por animal e lucro por hectare (R2 = 0,90) e entre produtividade por hectare (arrobas/ha) e lucro por hectare (R2 = 0,986). Vou concluir este artigo demonstrando a viabilidade técnica e econômica desta segunda estratégia.
No trabalho apresentado por Aguiar (2014) ele comparou resultados técnicos e econômicos de fazendas de cria e de recria: engorda, com os indicadores médios alcançados pelos produtores do Mato Grosso, com algumas fazendas referências. Ele comparou fazendas com taxa de desmama de 57%, 68% e 80%; com pesos a desmama de 160 kg, 190 kg e 220 kg e taxas de desfrute de 12%, 31% e 34% e denominou estes sistemas de 57, 68 e 80. Concluiu- se que o retorno sobre o capital investido saltou de 0,68%, para 4,85% e 4,95% para os sistemas 57, 68 e 80, respectivamente. O lucro por hectare aumentou em 7,2 e 7,5 vezes nos sistemas 68 e 80, apesar dos custos de produção terem aumentado em 21,4 e 55,7%, respectivamente.
Para alcançar estes aumentos foram utilizadas técnicas e tecnologias destinadas a aumentar apenas a produtividade por animal, tais como: adoção de inseminação artificial com sêmen de touros melhoradores, melhoramento genético através do método da seleção; melhoria nos programas de prevenção de doenças, de controle de endo e ectoparasitos, de suplementação, mas as taxas de lotação ainda permaneceram baixas, na amplitude de 0,78 a 0,93 UA/ha.
Ao aumentar a taxa de lotação para 1,5 UA/ha a partir do uso das tecnologias de correção e adubação do solo, o retorno sobre o capital investido alcançou 6,3% no sistema 80, e o lucro por hectare foi aumentado em 11 vezes, quando se comparou com o sistema 57. O capital em terra foi reduzido proporcionalmente de 81,2% para 80,3%, 79,4% e 69,6% nos sistemas 57, 68, 80 com 0,84 UA/ha e 80 com 1,5 UA/ha, respectivamente, enquanto o capital no rebanho foi aumentado de 14,5 para 19,8% e o custeio de 4,3 para 10,6% quando se comparou o sistema 57 e 80 com 1,5 UA/ha.
No mesmo trabalho, Aguiar (2014) comparou diferentes níveis de suplementação de animais de recria: engorda, desde apenas suplementação mineral, passando pela suplementação mineral: ureia; suplementos múltiplos de baixo e médio consumo até suplementação concentrada com 0,5 e 1,0% do peso corporal dos animais. Estes diferentes padrões de suplementação permitiram a redução da idade ao abate de 40 para 23 meses, concluindo-se que o retorno sobre o capital investido saltou de 3,17% para 6,14% quando a idade ao abate foi reduzida de 40 (apenas suplementação mineral) para 27 meses (com 0,5% do peso corporal, melhor resultado nesta avaliação), enquanto o lucro por hectare praticamente foi dobrado. Entretanto, as taxas de lotação ainda foram mantidas baixas, em 0,84 UA/ha, mas quando esta variável foi aumentada para 1,5UA/ha e 3,0 UA/ha, o retorno sobre o capital investido foi aumentado para 8,07 e 11,1%, e o lucro por hectare foi aumentado em 2,94 e em 5,3 vezes, respectivamente, quando comparado com o sistema 40 meses com 0,84 UA/ha.
Em uma fazenda de recria: engorda localizada no MS, antes da intensificação 81,94, 12,89 e 5,13% do capital estavam imobilizados respectivamente na terra, nos animais e no custeio, enquanto que na área intensificada as proporções daqueles ativos foram alteradas para 40,49; 45,5 e 13,99%, respectivamente. As tecnologias adotadas neste caso para a intensificação da produção foram as de correção, adubação e irrigação do solo da pastagem. Apesar do capital investido na atividade ter aumentado em 3,7 vezes na área intensificada (aumentos de 1,83 vezes no preço da terra devido à implantação de dois pivôs centrais, de 13,07 em animais e de 10,06 vezes no custeio) o custo médio por arroba produzida foi reduzido em 8,33% devido ao efeito de diluição dos custos fixos e das despesas administrativas, causado pelo aumento da produtividade. Por outro lado o lucro por hectare foi aumentado em 13,53 vezes na área intensificada. Considerando a propriedade como um todo, ao intensificar 18,76% da área útil apesar do capital investido na atividade ter aumentado em 1,5 vezes, o custo médio por arroba produzida foi reduzido em 4,36% devido ao efeito de diluição dos custos fixos e das despesas administrativas, causado pelo aumento da produtividade. Por outro lado o lucro por hectare foi aumentado em 3,31 vezes (AGUIAR, 2013).
Para não deixar em aberta a resposta a uma possível pergunta: o impacto do aumento da escala de produção através da estratégia de aumento horizontal, não seria mais viável? No caso desta propriedade de recria: engorda do MS, se o produtor precisasse e quisesse produzir a mesma quantidade de carne alcançada com a adoção da estratégia de aumento vertical da escala de produção, mas com a estratégia de aumento horizontal, e fosse comprar mais terras na região onde se encontra sua propriedade ele teria que investir um capital 5,13 vezes maior do que o investido na intensificação em sua própria fazenda, enquanto que o custeio anual da intensificação fi caria num valor 23,3 vezes menor do que o capital que seria imobilizado na compra de mais terras (AGUIAR, 2015).
Em uma fazenda de recria: engorda localizada no norte de MG a intensificação de 48,46% da área útil de pastagem (40% através das tecnologias de correção e adubação do solo, e 8,46% através da correção, adubação e irrigação do solo) possibilitou aumentos de produtividade de carne de 2,35 vezes na fazenda como um todo. Se o proprietário precisasse e quisesse produzir a mesma quantidade de carne alcançada com a adoção da estratégia de aumento vertical da escala de produção, mas com a estratégia de aumento horizontal, e fosse comprar mais terras na região onde se encontra sua propriedade, ele teria que investir um montante de capital 2,09 vezes mais alto que o valor que ele investiu na intensificação, enquanto que o custeio anual da intensificação ficou num valor 4,28 vezes menor do que o capital que seria imobilizado na compra de mais terras (AGUIAR, 2015).
Em uma fazenda de ciclo completo (cria: recria:engorda) localizada no Paraná, a intensificação de 13,51% da área útil de pastagem através da tecnologia de correção e adubação do solo possibilitou aumentos de produtividade de carne de 1,34 vezes na fazenda como um todo. Mas se o proprietário precisasse e quisesse produzir a mesma quantidade de carne alcançada com a adoção da estratégia de aumento vertical da escala de produção, mas com a estratégia de aumento horizontal, e fosse comprar mais terras na região onde se encontra sua propriedade, ele teria que investir um montante de capital 14,82 vezes mais alto que o valor que ele investiu na intensifi cação, enquanto que o custeio anual da intensifi cação fi caria num valor 23,25 vezes menor do que o capital que seria imobilizado na compra de mais terras (AGUIAR, 2015).
Conclui-se que a adoção de técnicas e de tecnologias que possibilitam aumentos no desempenho por animal (aumentos nas taxas de fertilidade, de nascimento e de desmama, do peso a desmama; do ganho médio diário...) e da taxa de lotação das pastagens, concorre para o aumento da produtividade da terra de pastagem (kg de bezerros desmamados/ha/ano, kg de carcaça/ha/ano) e da escala de produção da propriedade no sentido vertical, resultando em redução da proporção do capital imobilizado no ativo terra, e aumento da proporção do capital nos ativos animal e custeio, ativos estes circulantes e de alta liquidez, tornando a atividade rentável e competitiva.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGUIAR, A. P. A. Estudo de caso: indicadores técnicos e econômicos de uma propriedade de pecuária de corte explorada com dois níveis tecnológicos de produção em pasto. Palestra apresentada durante o INTERCONF:ASSOCON, Goiânia, 2013.
AGUIAR, A. P. A. Uso dos indicadores zootécnicos na gestão dos resultados econômicos da pecuária em pasto. Palestra apresentada durante o 6º Congresso Latino Americano de Nutrição Animal (VI CLANA), CBNA, São Pedro, SP, 2014.
AGUIAR, A. P. A. Pastagem intensiva x Arrendamentos: o que é mais rentável? Palestra apresentada durante o 3º Encontro de Adubação de Pastagens da Scot Consultoria, Ribeirão Preto, SP, 2015.
ANUALPEC Anuário Estatístico Pecuária Brasileira, 2013, Informa Economics FNP, São Paulo: Pecuária de Corte: custos. p. 166-176.
ANUALPEC Anuário Estatístico Pecuária Brasileira, 2015, Informa Economics FNP, São Paulo: Terras. p. 225.
BOVINOCULTURA MATOGROSSENSE: caracterização da Bovinocultura do Estado do Mato Grosso, FAMATO:IMEA, 2011, 102 p. DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS (DIEESE). Estatísticas do meio rural 2010- 2011. 4ª ed. Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos: Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural: Ministério do Desenvolvimento Agrário. São Paulo: DIEESE: NEAD: MDA, 2011. 292 p.
GARCIA, M. Parâmetros e indicadores da pecuária sob uma ótica empresarial. Palestra apresentada durante o congresso de sustentabilidade na Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ), EXAGRO, 2014. IBGE - CENSO AGROPECUÁRIO 2006. Rio de Janeiro: IBGE, 2009. 777 p.
* Adilson Aguiar é Professor na Faculdade Associadas de Uberaba - FAZU e Consultor da Consulpec
Fonte: Revista ABCZ, Ed. 93. Agosto 2016
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