Veríssimo Costa (Nenê Costa), um importador de matrizes zebuínas relevantes para o Brasil Voltar

Você está em: Memórias do Zebu » Importações de Zebu para o Brasil » Quarta Fase (1930 - 1960) Publicado em 12/09/2016 às 16:29:57
Nenê Costa em fotografia da década de 1960. Acervo: MZ

Aproximavam-se os anos de 1960 e alguns pecuaristas direcionavam novamente os interesses à terra de origem do Zebu, onde a antiga tradição hindu ainda via no animal um ícone sagrado. Havia somente uma década e meia em que a Índia era um país livre. Após a independência em 1947, sobreveio a divisão do antigo Raj Britânico entre a República da Índia, de maioria hinduísta, e a República do Paquistão, de maioria islâmica. A condição das viagens foi facilitada pelo aumento do interesse daquela região ante a consolidação do mercado global, cada vez mais necessitado de parcerias e investimentos.

Comparando esse período ao final do século XIX, quando foram realizadas as primeiras importações, a Índia inglesa permitiu certa progresso diplomático com alguns países, o que colaborou, em partes, para a desobstrução das negociações. Mesmo assim eram tempos difíceis. Os anos sucessivos da Segunda Guerra Mundial (1939 - 1945) foram determinantes para o processo de Descolonização, deixando cicatrizes profundas na história desse povo. As questões culturais eram adversas. Pairava na Índia um clima político ameno, que atravessava por profundas adaptações e algumas mudanças positivas para o comércio.


A multidão juntou-se para a despedida do touro Bhima, em Thenay na Índia. Na imagem, Dona Olinda e Veríssimo Costa Júnior, Índia. Fonte: Museu do Zebu

No Brasil, entraves internos dificultavam a importação do Zebu. O Governo havia suspendido a licença para esse fim desde 1930. A peste bovina, entre outros entraves, levou o Ministério da Agricultura a adotar medidas acautelares quanto às importações de gado. Apenas os animais de origem europeia recebiam aval nesse período. Assim mesmo alguns importadores não desistiram do objetivo de continuar aprimorando a criação do Zebu no Brasil. A ousadia de Garcia Cid e Torres Homem Rodrigues da Cunha em 1960 e 1961, a despeito da oposição do Ministério, animou outros importadores. No entanto, sem o aval necessário do governo a importação não poderia ser legalizada. Tanto que muitos permaneceram na Índia aguardando pacientemente pelas negociações. Apesar de todo progresso obtido em decênios de trabalho seletivo, não havia dúvidas entre eles de que a melhora da raça no Brasil ainda dependia do sangue puro indiano.

 

Uma parceria entre Minas Gerais e São Paulo empenhou-se nesses esforços, não apenas para obter do Ministério a licença, mas para solicitar a entrada contínua do maior número possível de exemplares indianos no Brasil. A comissão técnica composta por especialistas e sanitaristas renomados, todos indicados pelo Governo, decidiu favoravelmente pela concessão da licença desde que fosse respeitada a quarentena de oito meses imposta aos animais na Ilha de Fernando de Noronha. Além disso, outra equipe oficial ficou responsável por manter a inspeção das diversas estações experimentais e os redutos criadores do gado na própria Índia. Cada gado selecionado deveria receber autorização direta dessa comitiva. E tudo isso mediante a permissão do governo indiano, que também impunha regras. Além das questões religiosas existentes, a pecuária na Índia estava em fase de adaptações que visavam a modernização dos recursos.


Nenê Costa, Dr. Barison Vilares, Cito Castilho e Francisco José de Carvalho Neto (Chico) na Fazenda Hosur em Bangalore, junto a técnicos indianos. Família Carvalho.

Será em meio a essa perspectiva que o pecuarista Rubens de Andrade Carvalho, o "Rubico", associou-se a seu tio Veríssimo Costa Júnior, o "Nenê Costa", para organizar a importação que seria talvez a mais importante para a criação do Nelore no Brasil. O pai de Rubico, Francisco José de Carvalho, o "Chiquinho", já havia trazido alguns exemplares em 1918, sendo um dos primeiros criadores a registrar o Zebu no Ministério da Agricultura. O neto de Chiquinho, Francisco José de Carvalho Neto, o "Chico Ventania", representando seu pai, partiu com o tio para a Ásia em março de 1962. Rubico permaneceu no Brasil para cuidar da relutância burocrática do governo. Tiveram de permanecer nove longos meses na Índia, aguardando as resoluções dos governos indiano e brasileiro. Segundo palavras dos mesmos, ali adquiriram uma bagagem de conhecimento impressionante com relação à cultura indiana. Entre as raças criteriosamente selecionadas, estavam o Nelore, o Gir e o Guzerá.


Torres Homem Rodrigues da Cunha, Veríssimo Costa Jr. (Nenê Costa), Rubico de Carvalho, Jacinto Honório da Silva Filho e Celso Garcia Cid, importadores de 1962. Fonte: Família Carvalho

Rubico, conhecido por ser bom articulador, lutou durante algum tempo pela desburocratização das importações enquanto o filho e o tio entregavam-se a toda sorte de negociações no continente distante. Segundo relata o pecuarista, a ajuda do deputado Afrânio de Oliveira, seu amigo em tempos escolares, foi indispensável para a obtenção da permissão junto ao Ministério da Agricultura. Enquanto isso, em meio às tratativas, o navio Cora desembarcou o gado na Ilha de Fernando de Noronha em janeiro de 1963. Chegaram no Porto de Santos animais das raças Ongole (Nelore), Gyr (Gir), Kankrej (Guzerá), e Kangayan, búfalos Jaffarabad, cabritos, galinhas e plantas. Da raça Nelore foram compradas 30 vacas e vários machos, onde se destacavam Godhavari, Gonthur, Taj Mahal, Everest, Godar, Nagpur, entre outros. A quarentena na ilha consumiu nove meses, onde o número de animais aumentou para 41 fêmeas e 20 machos.

 

Francisco José de Carvalho veio com o gado comprado, demorando a viagem do porto de Madras até a Ilha de Fernando de Noronha 42 dias; a leva era constituída de 12 touros e 30 vacas Nelore, das quais 27 adquiridas nas Estações Experimentais do Governo indiano de Chintaladevi e Kakinada, onde se faz cuidadosa seleção racial e leiteira. Trouxeram mais 9 touros e 20 vacas Guzerá, 5 touros e 9 vacas Gir e 1 reprodutor e 6 fêmeas Kangayam, além de 1 macho e 2 fêmeas de búfalos Jaffarabadi. Os animais deram entrada no Quarentenário de Fernando de Noronha no dia 2 de janeiro de 1963, encontrando os responsáveis pelo gado dificuldades de toda sorte, devido à falta de alimentos e de pasto, constituído quase só de "fedegoso", o que tornou necessárias a compra de toda a produção local de mandioca. O gado sofreu bastante a falta de alimentos a serem trazidos do Continente, devido às constantes greves das embarcações fretadas para o transporte. Após 8 meses de quarentena, o gado chegou ao porto de Santos em 15 de setembro, seguindo para a Fazenda Brumado, fazendo-se a divisão do gado entre Rubens Carvalho e Veríssimo Costa Júnior.

 

(SANTIAGO, 1972: p. 135).


Nenê Costa, Torres Homem R. da Cunha, Francisca Campinha Garcia e Rubico Carvalho, na homenagem dos 40 anos de importação. Fonte: Família Carvalho.

As dificuldades foram muitas. A ilha de Fernando de Noronha não tinha porto apropriado para o desembarque. O gado do navio foi colocado em embarcações pequenas e levado, pouco a pouco, até a praia. A alimentação do rebanho vinha de Recife e o desembarque era feito da mesma maneira. Os importadores contaram com a colaboração dos moradores da ilha, comprando deles quase tudo o que o gado pudesse comer. Mandioca, bananeiras, enfim, qualquer coisa que pudesse evitar que o gado vindo da Índia morresse de fome.


Veríssimo Costa (Nenê Costa) e Rubens de Carvalho (Rubico). Fonte: Familía Carvalho.

A quarentena seguia os auspícios do governo, mas demandava intensas preocupações. Chegando em Recife, as autoridades prenderam as embarcações durante dois meses. Nesse período algumas cabeças de gado forma perdidas, mas a esperança permanecia. Rubico e Torres foram até Brasília acertar a autorização junto ao Ministro da Agricultura do governo de João Goulart. Em 48 horas o Ministério liberou a compra do gado. Em setembro de 1963, finalmente, o rebanho "puro sangue" da Índia desembarcou em Santos. Os animais que mudariam a história da pecuária brasileira pisaram triunfantemente em solo brasileiro. A genética zebuína deve grande parte de seu sucesso a essa nova etapa da pecuária nacional.


Em pé: Arlindo Pereira, Nenê Costa, Joaquim V. P. Cunha e Francisco José de Carvalho Neto. Sentados: José da Silva (Dico), Dona Olinda A. R. da Cunha e o indiano Kupsamin. Fonte: Família Carvalho.

Esta importação foi realizada pelos criadores Rubens de Andrade Carvalho, Veríssimo Costa Júnior, Torres Homem Rodrigues da Cunha, Celso Garcia Cid e Jacintho Honório da Silva Filho. Os raçadores, ou matrizes, responsáveis por melhorar o Zebu no Brasil foram muitos. Mas os touros Karvardi, Taj Mahal e Godhavari mereceram destaque devido à superioridade genética. Nunca mais o Nelore seria o mesmo. As importações decorrentes dos anos de 1960 e 1962 tornaram-se marco importante na evolução do Zebu brasileiro. Esses exemplares ajudaram a "refrescar" o sangue de grande parte dos rebanhos, melhorando a pecuária zebuína.

 

Além de valorizar os exemplares puros, esse empreendimento abriu caminho para outros que estariam por vir, reativando o comércio de reprodutores das raças originais da Índia e auxiliando a renovação de diversos rebanhos distribuídos pelo Brasil Central. A virada da pecuária, como foi chamada a evolução dos plantéis em bases empresariais, viria décadas mais tarde como resultado do investimento continuado de capital no melhoramento genético da raça. Depois disso, a parceria da ABCZ junto aos criadores do Zebu no Brasil fez com que os índices de produtividade da pecuária nacional fossem comparáveis aos melhores e maiores do mundo.

 

Autores: Thiago Riccioppo - Historiador, Mestre em História pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU; Gerente Executivo do Museu do Zebu/ABCZ e colaborador do CRPBZ e Mimi Barros - professora, educadora, historiadora do Museu do Zebu/ABCZ e colaboradora do CRPBZ


CENTRO DE REFERÊNCIA DA PECUÁRIA BRASILEIRA - ZEBU

Fone: +55 (34) 3319-3900

Pça Vicentino R. Cunha 110

Parque Fernando Costa

CEP: 38022-330

Uberaba - MG


©2015-2025 - Associação Brasileira dos Criadores de Zebu - Todos os direitos reservados