Manoel Alves Caldeira Jr., ex-prefeito de Uberaba e importador de Zebu no início do século XX
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Memórias do Zebu » Importações de Zebu para o Brasil » Terceira Fase (1898 - 1921)
Publicado em 14/09/2016 às 14:00:18
- atualizado em 28/11/2016 às 18:34:11
Foi vereador, deputado e prefeito de Uberaba, exercendo legislatura no Poder Executivo municipal entre os anos de 1911 a 1912. Sua importância política foi herdada do pai, Manuel Alves Caldeira, empresário do ramo industrial e acionista da empresa Ferreira Caldeira & Cia, então responsável pela representação da Companhia Força & Luz, a primeira a fornecer energia elétrica para Uberaba em 1906. Foi atuante na política num contexto em que a maior preocupação do município era desenvolver tal recurso para atender o progresso econômico da cidade, agora excitado pela criação das estradas de ferro no Brasil. Na ocasião, a disputa envolvendo a escolha da empresa que seria responsável pelo setor foi acirrada entre os políticos e industriais uberabenses.
No primeiro ano de seu mandato, sobreveio a histórica exposição agropecuária de Uberaba, realizada em 1911 e considerada a primeira a destacar a zebuinocultura no Triângulo Mineiro. Em sua gestão, alguns acontecimentos envolvendo o desenvolvimento da cidade foram importantes, tais como: o início das atividades que envolveram a construção da estrada de ferro Noroeste do Brasil, ligando o Mato Grosso a São Paulo, a criação do curso de agrimensura no Colégio Diocesano e a doação do Instituto Zootécnico ao Governo de Minas Gerais para a instalação de um Instituto Fundamental para o Estado. Foi incentivador da publicação do livro de Hildebrando Pontes sobre a história da cidade.
Um momento curioso em sua gestão esteve relacionado à existência de um ofício enviado ao Congresso Nacional, referendado por ele e redigido pela Câmara Municipal, sobre a decisão de proibir a vinda dos restos mortais de D. Pedro II e D. Tereza Cristina para o Brasil, revelando aspectos que envolviam a aversão por parte da elite uberabense aos resquícios do Império. É algo compreensível, uma vez que a mentalidade remete aos tempos em que a República Velha caminhava sob o sopro do vento entusiasmado pelas ideias positivistas. Caldeira Jr. Continuou a exercer influência na política regional mesmo depois de concluir o cargo executivo. Radicado na capital carioca, deu continuidade aos negócios da família ao investir na pecuária e financiar várias importações de Zebu durante o ano de 1919. Em associação a outros criadores, foi um dos responsáveis pela composição de diversos lotes que chegaram a permitir a aquisição de 944 cabeças de gado, conforme registros da alfândega dos Portos de Santos e Rio de Janeiro publicados no Anuário Estatístico do Ministério da Fazenda.

“Proclamação da República”, obra de Benedito Calixto (1893). historianet.com, 2016.
O início do século XX explanava o auge das oligarquias representadas pelas elites agrárias. A importância econômica e social do século XVIII, então considerado o "Século Sertanejo" por alguns historiadores, ajudou a definir o quadro político que iria delinear o espírito da República Velha (1889-1930). No plano federal, a situação privilegiava a hegemonia de São Paulo e Minas Gerais. No âmbito paulista, a supremacia econômica decorria do café. Em Minas, a vantagem advinha da pecuária e do fato de tratar-se do mais populoso membro da federação. Nos anos que marcaram a transição do Império para a República, enquanto a maioria dos fazendeiros paulistas investiam os recursos extras da lavoura de exportação na compra de máquinas, pecuaristas mineiros tentavam buscavam no exterior uma maneira de aumentar o lucro.
As importações do Zebu, iniciadas nessa época, permaneceram. Seguindo o exemplo de Teófilo de Godoy, Ângelo Costa e Armel de Miranda, outros pecuaristas uberabenses retornaram à Índia a partir de 1918. A relutância de Virmondes e Otaviano para permanecer naquele país aumentava a esperança de que algumas hostilidades diplomáticas e culturais poderiam chegar ao fim em pouco tempo. Enquanto no Brasil implantavam-se as primeiras indústrias, a maquinaria fabril europeia já contava com pouco mais de cem anos de desenvolvimento técnico. Desse modo, assim como a tecnologia teve que ser importada, a pecuária bovina entendeu que o melhor empreendimento estava na aquisição do Zebu indiano. O momento privilegiava as importações.
A valorização do gado causada pela inauguração do grande frigorífico de Barretos permitiu ao Brasil Central investir na industrialização da carne. Assim como muitos fazendeiros paulistas direcionaram a atenção para a importação de tecnologia visando o aprimoramento da cafeicultura, parte dos pecuaristas mineiros buscou investir no melhoramento dos rebanhos. Ainda em processo de gestação, a zebuinocultura precisava dar continuidade às importações para alcançar esse fim. E isso, segundo os criadores, só poderia ser feito mediante o emprego de reprodutores "puro sangue" para "refrescar" o sangue dos rebanhos nacionais.
Ilustração representando o encontro do Governador-geral da Índia, Lord Canning, com autoridades indianas durante o Raj Britânico. Ilustração do início do século XX.
Em meio à crise, o ano de 1918 tornou-se definitivo para o fim da guerra e auspicioso para os rumos que o Neocolonialismo tomava. A Índia não estava livre, mas dava os primeiros passos que a conduziriam à independência. As reformas de 1919 não satisfizeram as exigências políticas indianas. Os britânicos reprimiram a oposição e reinstituíram as restrições à imprensa e ao movimento. Uma aparente violação das regras sobre ajuntamento de pessoas levou ao massacre de Jalianwala Bagh em Amritsar, em abril de 1919. Aquela tragédia galvanizou dirigentes políticos como Jawaharlal Nehru e Mohandas Mahatma Gandhi e seus seguidores a pressionar por mudanças. Como é possível perceber, a situação não era propícia, mas os importadores do Zebu não se intimidavam em meio às negociações.
Em 1918 os criadores Cacildo Arantes e Edmundo Arantes enviaram Josias Ferreira de Morais e Antônio Costa para comprar o gado indiano, onde trouxeram um pequeno lote de Guzerá. O goiano Pedro Santérre Guimarães, associado ao mineiro radicado no Rio de Janeiro, Manoel Alves Caldeira Jr., também realizaram diversas importações. Alguns animais da raça Nelore auxiliaram a comercialização do Zebu entre mineiros, paulistanos e cariocas. Os diversos lotes importados em 1919 chegaram a totalizar 944 cabeças, entre gado adulto e novo, conforme registros encontrados na alfândega de Santos e Rio de Janeiro, publicados no Anuário Estatístico do Ministério da Fazenda. A contribuição para a melhora do rebanho no Brasil foi, de certo modo, definidora em alguns aspectos.
(...) Tinham Caldeira e Santérre, como seu melhor freguês, o Cel. João de Abreu Junior, o qual, por essa razão, gozava do privilégio de proceder à escolha de seus futuros reprodutores, com o gado ainda a bordo, enquanto se providenciava o desembarque. No último lote trazido da Àsia, vieram já reservados para o antigo criador de Cantagalo, a vaca Benares e o garrote Calicut, escolhidos na Índia em virtude de seus antecedentes leiteiros. Ambos eram portadores de orelhas com apêndices, motivo pelo qual se diziam serem possuidores de quatro orelhas. A reprodutora Benares confirmou plenamente a recomendação do importador, pois chegou a produzir 17 litros de leite, diários, em regime de duas ordenhas. Muitas de suas filhas, todas portadoras daquele caráter, herdaram também a aptidão lactífera. Do referido casal descendem, segundo informação dos continuadores da obra de João de Abreu, todos os animais quatro orelhas encontrados nos rebanhos Guzerá, que tem sua origem no plantel de Cantagalo.
(SANTIAGO, 1972, p 118)
Em 1920, Gabriel Bernardes foi enviado por Gabriel Teixeira Junqueira, residente em Uberaba e possuidor de fazenda em Conquista, e Anésio Amaral, antigo criador em Serrana, no Município de Cravinhos, em São Paulo. Conseguiram trazer um rebanho em que destacavam o Gir. Essas e outras importações, inclusive aquela realizada por Anésio Amaral, conhecido pelo codinome "Alambique", deram origem a uma importante linhagem de gado Gir. Nesse mesmo ano, foram muitos os criadores a empreender a cruzada zebuína na Índia, tais como Ranulfo Borges do Nascimento, Ismael Machado, Luiz de Oliveira Vale, Godofredo Nascimento, Armando Veloso, Leopoldino de Oliveira, Adroaldo Cunha Campos, Celso Rosa, Isídio Pereira, Luís de Oliveira Ferreira, Luitprant Prata e Álvaro Rocha. Como consequência dessas atividades, foi verificado um recorde nas importações de zebuínos nesse mesmo ano.
Leopoldino de Oliveira, Àlvaro Rocha, Luiz de Oliveira Valle, Ranulfo Borges Nascimento, Josias de Almeida, Mizael Cruvinel Borges, Ismael Machado e Luiz de Oliveira Ferreira. Fonte: MZ, 1918.
Estábulos foram improvisados no convés dos navios. Alguns animais de maior valor eram colocados individualmente em boxes, onde peões uberabenses e indianos revezavam-se na alimentação e cuidados do gado durante as viagens. Era durante as trajetórias que os empreendedores discutiam a possibilidade de lucro e despesa. Mas, como era de se esperar, a desilusão acabou minando o sucesso das importações nesse período. Dois fatos determinaram um dos piores momentos da trajetória zebuína - o excesso de animais trazidos (cerca de 3.000 cabeças em 3 anos) e o surgimento da peste bovina em fevereiro de 1921 nos arredores da capital paulista. O mercado acabou saturado pela dificuldade nas vendas e a morte rápida daqueles animais que eram atingidos pela epidemia. A moléstia foi identificada pelos sanitaristas com o auxílio da Fundação Rockefeller.
(..) O Gasconier deixou o lote zebuíno no porto de Santos e, em fevereiro de 1921, surgiram nos arredores da capital paulista, principalmente em Osasco e Cotia, alguns doentes, cuja morte sobrevinha rapidamente. Era a temida peste bovina. Medidas enérgicas foram tomadas pelas autoridades paulistas e se conseguiu circunscrever e debelar a epidemia, à custa de 855 cabeças que sucumbiram à moléstia e mais 2.500 animais suspeitos ou já doentes, sacrificados à bala pelos milicianos da Força Pública, à medida que os veterinários oficiais procediam aos exames. A ação pronta e inflexível de nossos administradores livrou o país de um mal cujas consequências eram imprevisíveis.
(SANTIAGO, 1972, p 121)
Peste bovina no Peru, início do século XX. A doença espalhou-se rapidamente pela América. A/D, 2013.
Mediante o aparecimento da peste bovina, o Governo Federal proibiu as importações e tornou obrigatório o período de quarentena para as levas que estavam a caminho nesse período. Por essa e outras razões, o ciclo das grandes importações de gado da Ásia foi encerrado. Depois de anos sucessivos de luta, a peste bovina tornou-se a maior preocupação dos sanitaristas. Anos se passaram até que a doença começou a dar os primeiros sinais de desaparecimento. Durante a década de 1960, novas importações foram realizadas mediante outra autorização do governo, conseguida a muito custo através de barganhas entre criadores, autoridades governamentais e a Índia. Diante desse impasse, segundo informe da Sociedade Brasileira de Medicina Veterinária, a erradicação da doença é, atualmente, uma das maiores contribuições do Brasil para o desenvolvimento da pecuária mundial.
(...) A Peste Bovina foi o primeiro grande desafio dos Serviços Veterinários brasileiros, quando introduzida em 1921, devido à importação de zebuínos através do Porto de Santos e transportada pelas estradas de ferro São Paulo Railway e Paulista. Esse procedimento infectou os vagões gaiolas, que por sua vez, mal desinfetados contaminou bovinos conduzidos ao Frigorífico de Osasco. O Dr. Moraes Barros nos conta que os animais de sangue zebu, pouco mais resistentes e logo abatidos, contaminaram os bois carreteiros do estabelecimento, mais susceptíveis por serem caracus ou terem menos sangue zebu. Desde os primórdios da humanidade, é considerada uma das doenças dos animais mais temida, pela alta mortalidade do gado, os prejuízos econômicos e sociais, a segurança alimentar e pela grande onda de fome causada aos diversos países Europeus.
A Peste Bovina, descrita tecnicamente pela pelo Dr. Lancisi, consultor científico do Papa Clemente XI, em 1711, está estreitamente ligada à história da Medicina Veterinária Universal. Motivou a criação da primeira Escola de Medicina Veterinária no Mundo, em Lyon, França em 1761, a Associação Mundial de Veterinária e do 1º. Congresso Mundial de Veterinária, em Hamburgo, Alemanha em 1863 e da própria OIE - Organização Mundial de Veterinária em 25 de janeiro de 1924. O Brasil deu um grande exemplo ao Mundo com a erradicação dessa doença. Graças ao trabalho diligente, coordenado por Moacyr Alves de Souza e Taylor de Mello, ambos foram dirigentes da SBMV, a Peste Bovina foi erradicada no Brasil em um ano de intenso labor. Enquanto o mundo levou em mais de três séculos de campanha para erradicar a Peste Bovina, o Brasil assim o fez em somente um ano de campanha sanitária, em 1922, agora completando 90 do Brasil livre dessa epizootia. A última ocorrência da Peste Bovina no Mundo foi no Quênia no ano de 2001 em um búfalo.
(A Hora Veterinária - Ano 31, nº 186, março/abril/2012).
Tentar entender como a pecuária bovina sobreviveu a tudo isso é, no mínimo, instigante. Mas convém considerar que alguns acontecimentos internos no Brasil favoreceram o desenvolvimento dessa atividade. O declínio da economia paulista refletia em Minas Gerais. Ao findar a guerra, a Europa atravessou momentos de reconstrução e o café começou a dar passos cambaleantes. Entre a elite intelectual da República Velha havia aqueles que consideravam a indústria uma atividade econômica "prejudicial" à vida social. Acreditavam que o país tinha por destino evidente a agricultura e que toda a ação que tendia a desviar-se desse destino era um crime contra a natureza e os interesses nacionais. Mesmo com o declínio da cafeicultura, a pecuária desenvolvia-se no sertão mineiro e São Paulo já despontava como principal centro industrial, relegando ao Rio de Janeiro um modesto segundo lugar. Enquanto isso, o Zebu, entre tantas outras atividades, era uma das possibilidades que aguçavam os paladares dos investidores sertanejos, em especial, aqueles que criavam gado na região do Triângulo Mineiro.
A partir de então, o barão participou de inúmeras iniciativas em defesa do zebu, seja contribuindo para organização de exposições ou demonstrando as qualidades e as vantagens desse gado. "(...)Em 1880, já podiam ser vistos mestiços zebuínos de suas matrizes em animais de trabalho nas propriedades da Família Clemente Pinto. Em muitos locais o zebu firmava-se como gado mais adequado, destronando as raças europeias até então em voga, mas que, definitivamente, não podiam competir com o zebu nos cafezais, nas montanhas e no dia-a-dia das fazendas". (SANTOS, 2009).
Texto e pesquisa: Autor: Thiago Riccioppo, Historiador, Mestre em História pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU; Gerente Executivo do Museu do Zebu/ABCZ e colaborador do CRPBZ e Mimi Barros: professora, educadora, historiadora do Museu do Zebu/ABCZ e colaboradora do CRPBZ.
CENTRO DE REFERÊNCIA DA PECUÁRIA BRASILEIRA - ZEBU