Edificação convidava à reflexão sobre importante período da história dos mascates do Zebu em Uberaba Voltar

Você está em: Memórias do Zebu » Museu do Zebu » Histórias & Estórias Publicado em 16/09/2016 às 15:29:26 - atualizado em 16/09/2016 às 16:40:25
Palacete Naves: óleo sobre tela, acervo de José de Oliveira Naves (1911).

O triste fim de Antônio Pedro Naves: Edificação convidava à reflexão sobre importante período da história da cidade (Jornal Revelação - UNIUBE)

Na sexta-feira 13 de dezembro de 2002, o Palacete Antônio Pedro Naves, uma das edificações mais significativas do patrimônio cultural da cidade, começou a ser demolido a pedido do empresário lotérico Idivaldo Odi Afonso, o proprietário. Primeiro o palacete foi destelhado. Depois, as paredes internas foram derrubadas. Finalmente, a fachada destruída. Na manhã de domingo, o segundo piso já estava praticamente em ruínas. Na segunda-feira, os comerciantes foram abrir as lojas e não acreditavam no que viam. Aquele casarão, destruído! O prédio localizava-se na esquina das ruas Manoel Borges e Major Eustáquio.

Para compreender o que Uberaba perdeu sob esses escombros, e para elucidar os caminhos que permitiram a destruição de um símbolo da memória coletiva, em favor de um negócio particular, é preciso, primeiro, dar alguns mergulhos na história da cidade; depois, meter-se a bisbilhotar registros em cartório de partilhas de heranças e negócios imobiliários; finalmente, entrincheirar-se entre uma furiosa batalha jurídica para desembaraçar a trama de argumentações que acabaram por justificar, perante a Justiça, a demolição.

 

Para conhecer um pouco de Antônio Pedro Naves, é necessário voltar os olhos para o fim do século XVIII, quando o fabuloso período de abundância do ouro de Minas Gerais entrou em decadência e os mineradores, alucinados por riquezas, passaram a buscar novos pontos de exploração.

 

Foram descobertas algumas jazidas isoladas nas regiões do antigo Sertão da Farinha Podre, atual Triângulo Mineiro - o suficiente para chamar a atenção de muitos deles e disparar uma pequena corrida do ouro. Depois que esgotaram as jazidas do Desemboque, esses homens tiveram que procurar novas atividades para sobreviver. Foram organizadas, então, expedições de povoamento para buscar terras férteis no interior.

 

Nessas expedições o Sargento-mor Antônio Eustáquio da Silva e Oliveira, Comandante Regente dos Sertões da Farinha Podre (mais tarde conhecido por Major Eustáquio), encontrou terras mais férteis e decidiu construir a Chácara Boa Vista próxima ao Rio Uberaba. Dois quilômetros adiante, mandou fazer um retiro onde criou algumas cabeças de gado. Atraídas por Antônio Eustáquio, famílias passaram a instalar-se nos arredores de sua propriedade.

 

Esse povoamento foi o embrião do que viria a ser a praça Rui Barbosa. A casa de Major Eustáquio, o fundador de Uberaba, não existe mais. Localizava-se no terreno onde hoje está erguido o Chaves Palace Hotel. Durante o século XX, o imóvel foi ocupado pelo português Borges Sampaio (personagem importante da história da cidade), e mais tarde pela loja Notre Dame de Paris, muito popular até os anos 70. A casa de Major Eustáquio foi demolida no início da década de 80 para a construção do hotel.


Capa da Revista "Lavoura e Comércio Ilustrado" de 1911. Destaque para a ilustração de uma típica fazenda de criação de Zebu e do belo Palacete de Antônio Pedro Naves. APU, 2016.

Voltemos agora rumo ao século XIX. Uberaba foi um importante posto avançado de comércio - chamado de "boca do sertão" - por ser passagem obrigatória dos mercadores que atravessavam a estrada do Anhangüera e desbravavam sertão em caravanas de carros-de-boi para comercializar produtos de São Paulo (como o sal) e gado de Goiás e Mato Grosso. Depois de um período de baixo crescimento no século XIX, a chegada da Companhia de Estradas de Ferro e Navegação Mojiana, em 1889, incrementou a distribuição de mercadorias, aqueceu a economia da cidade e estimulou o surgimento de armazéns, bancos e indústrias.

 

Mais tarde, abalados por uma crise no comércio e pela abolição da escravatura, proprietários e políticos de Uberaba incentivaram a imigração. Para se ter uma idéia, até 1901, Uberaba recebeu 156 famílias de italianos. Depois vieram portugueses, espanhóis, árabes, sírios e armênios. Mas a superação da crise se deu quando a criação de gado Zebu - introduzida em 1875 - passou a atingir alta rentabilidade.

 

Mascate de Zebu

 

Logo chegaremos ao nosso personagem, Antônio Pedro Naves, o primeiro dono do palacete. Muitos uberabenses foram à Índia buscar o "boi de cupim". Até 1921, cerca de 5 mil cabeças foram trazidas para a região. Os criadores do Triângulo Mineiro adaptaram o gado, de forma que o Zebu daqui ficou melhor que o da Índia - mais pesado, precoce e manso, características incomuns na raça tida como indomável. O Zebu teve dois períodos áureos na primeira metade do século XX: um de 1913 a 1921, e outro de 1935 a 1945, ambos impulsionados pelo alto consumo de carne brasileira na Europa, no período das Guerras Mundiais.

 

 

Uma das formas que os chamados "Barões do Zebu" encontravam para ostentar sua riqueza era mandando erguer palacetes suntuosos, projetados por arquitetos estrangeiros - especialmente italianos - que soltavam a imaginação para criar cenários de opulência e prosperidade. A arquitetura predominante na época era a chamada eclética - ou seja, reunia em si diversos estilos e escolas estéticas. Essa era a moda nos grandes centros da época, e uma forma de parecer cosmopolita era aderindo ao que de melhor se fazia na arquitetura das metrópoles.

 

Apesar da ostentação e glória dos barões, outros personagens tiveram papel fundamental na história do Zebu. Foram os mascates - comerciantes aventureiros que desafiavam o sertão, enfrentando sol, chuva e mormaço, cobras, mosquitos e doenças, montando lombo de burro ou cavalo, arrastando cangas de bois para apresentar e vender a raça ainda desconhecida pela maioria dos pecuaristas brasileiros. Chamados de os primeiros "marqueteiros" do Zebu, esses homens enfrentaram muita resistência devido à intensa campanha difamatória que a raça sofreu nesta época. - Zebu não é raça, é bicho!, dizia o político Assis Brasil.

 

Segundo informações no processo de tombamento, Antônio Pedro Naves foi um desses mascates. De acordo com o registro no Cemitério Municipal, Naves nasceu em 9 de fevereiro de 1871 - época do Brasil Império. Aos 18 anos, Naves vivenciou o período da Proclamação da República, em 1889. Há dúvidas em relação à sua origem. O livro do cemitério informa que ele é uberabense. A certidão de óbito, disponível no Arquivo Público, registra que ele é de Sacramento. No entanto, fontes da família afirmam que ele nasceu em Iraí de Minas, mas veio morar em Uberaba porque procurava um lugar melhor para educar os filhos.


Detalhes da 17ª Mostra: "500 Anos de Brasil & 100 de Mascates", realizada no ano 2000. Acervo: MZ

Simbologia histórica

 

O projeto arquitetônico do palacete foi concebido por Francesco Palmério, italiano de Torre de Passeri. Palmério veio para Uberaba com um grupo de engenheiros, contratados na Itália, para trabalhar na Estrada de Ferro Cia Mojiana. Francesco era também topógrafo e teve muito serviço quando, em consequência do artigo da Constituição Republicana de 1891, os herdeiros de sesmarias tiveram que realizar partilhas entre os condôminos para regularizar a documentação.

 

Francesco naturalizou-se brasileiro e passou a assinar Francisco. Teve nove filhos, entre eles Mário Palmério, criador das faculdades que deram origem à Universidade de Uberaba. De seus projetos arquitetônicos, restavam apenas dois: o palacete de Antônio Pedro Naves e o palacete de Arthur Castro e Cunha, localizado na praça Rui Barbosa, ao lado da Câmara Municipal. Hoje, em 2003, só resta este último. O executor do projeto de Palmério foi o construtor Miguel Laterza, responsável também pela edificação da Igreja São Domingos, pela antiga penitenciária (hoje Faculdade de Medicina) e várias casas na rua Segismundo Mendes.

 

Por carregar toda esta simbologia histórica e por ser um exemplo precioso de uma arquitetura projetada e construída por engenheiros das melhores escolas italianas, o palacete chamou a atenção do Instituto Estadual de Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG) e foi registrado no Inventário de Proteção do Acervo Cultural de Minas Gerais (Ipac-MG) em 1987. O Ipac é um relatório de pesquisa cuja finalidade é rastrear, identificar e conhecer o acervo de todos os 853 municípios do Estado.

 

O objetivo é formar um banco de informações para servir de instrumento à definição de políticas públicas de proteção ao patrimônio. No fichamento assinado pela arquiteta Denise Thomaz Teixeira, está escrito que "a edificação encontra-se em satisfatório estado de conservação. Apresenta descaracterização no porão, acesso principal, e outras de caráter reversível como o uso de anúncios publicitários nas fachadas". Era evidente que o palacete deveria ser restaurado e protegido. Era um dos mais importantes símbolos da formação histórica da cidade.

 

Fonte: Reportagem publicada no Jornal Revelação (jornal-laboratório do curso de Comunicação Social da Universidade de Uberaba) n. 244, em 29 de abril de 2003. Autor: André Azevedo da Fonseca, jornalista e historiador uberabense (Adaptação Equipe do CRPBZ).


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