Os mascates: os primeiros "marqueteiros" do Zebu no Triângulo Mineiro Voltar

Você está em: Memórias do Zebu » Museu do Zebu » Histórias & Estórias Publicado em 21/09/2016 às 12:32:42
Fotografia de um caixeiro-viajante (ou mascate), por Marc Ferrez em 1895. Instituto Moreira Salles, 2016.

"Mascates" foi o nome dado no Brasil aos mercadores ambulantes e vendedores de "porta a porta", também chamados de "turcos da prestação". A origem do termo "mascate" vem do árabe El-Matrac, o vocábulo usado para designar os portugueses que, auxiliados pelos libaneses cristãos, tomaram a cidade de Mascate (no atual Omã) em 1507, levando mercadorias.

*Por Joaquim Adolpho de Carvalho Borges

A tendência de valorizar homens e coisas do passado tornou-se uma constante na vida nacional. Não é somente o Brasil, entretanto, que se volta com acentuado interesse para os dias de outrora, procurando reconstituir fatos históricos, analisar acontecimentos e seus personagens. Acreditando nisso, o CRPBZ destaca aqui essa excelente homenagem feita pelo Museu do Zebu aos mascates da região.

 

É possível que a origem da palavra mascates tenha surgido entre imigrantes que vieram da Ásia menor. Precisamente da cidade de Mascates, que fica na margem do mar de Omã, na Arábia Saudita. Cidade que era de domínio português. Alguns desses, ao aportar no Brasil em épocas distantes, saíram a vender os seus produtos em malas carregadas ou burros com cangalhas. Ao perguntarem a sua origem, diziam: "Sou de mascate!". Daí surgia o nome de que todo vendedor ambulante era apelidado de mascate. É uma suposição.

 

Da Ásia, em tempos remotos, saíram os Fenícios trazendo produtos da China e de toda a Ásia para o povo do Mediterrâneo, atravessando o Gibraltar, costeando a parte oriental da Europa, esbarrando nas Américas.

 

No Brasil houve mascates que fizeram história. Um deles foi o italiano Miguel Arcanjo Saroco que, com suas carretas de mercadorias acompanhou o exército brasileiro na campanha contra o Paraguai em 1865. Saiu-se vitorioso. Anos depois, Alfredo Descartes de Taunay o encontrou no Rio de Janeiro. "Xixi Piriá", criação do escritor Mário Palmério, retrata bem esses comerciantes em Vila dos Confins.


Gado reunido adquirido por Armel Miranda, Quirino Pucci e Josias de Almeida. Índia, 1917. Acervo: Museu do Zebu

Esses homens quando penetravam pelo sertão, com malas carregadas de utensílios domésticos, ao aparecerem na curva da estrada, a molecada gritava: - "Lá vem o mascate!". Os cachorros já o conheciam. Latiam e depois vinham agradar os mascates amigos. Estes arriavam as malas pesadas. Ali pernoitavam, vendendo o seu produto: perfumes, camisolas, roupas íntimas com rendas, linhas, botões, e, por encomenda, até vestidos de noiva. Com o tempo passaram a levar recados e correspondência daqui para ali.

 

Com o surgimento dos criadores de zebu, no Triângulo Mineiro, foi preciso divulgar a nova raça pelo Brasil. Apareceu o comerciante de zebu, ou mascate, quando fazendeiros saíam pelas estradas com seus tourinhos. Do Rio de Janeiro alguns fazendeiros começaram a selecionar o gado.

 

Os primeiros animais exportados da Índia para o Triângulo Mineiro foram trazidos por Teófilo de Godoy. Eram quinze reses guzerá. Daí pra frente, criadores dessa região iam ou mandavam buscar o gado zebu na Ásia distante. Os primeiros mascates de zebu foram os uberabenses, que trouxeram da mata do Rio de Janeiro, o gado China. Os animais vinham até Três Corações, Passos, Santa Rita, Uberaba e daí para Goiás e Mato Grosso, Uberaba, Araxá e Conquista foram o polos.

 

Aqui (Uberaba), concentrou-se um número grande de criadores. Os goianos traziam seus filhos para o Ginásio, ou familiares para tratamento médico em Uberaba, trazendo também curraleiros para barganha com o tourinho zebu. Mas isso não bastava. Os fazendeiros então mandavam um peão de sua confiança, ou o filho, com um lote de tourinhos. Esses saíam de fazenda em fazenda mostrando o seu produto. Sempre os vendiam, mas quando isso não acontecia, o mascate tinha uma janta farta e um sono acolhedor. Em outras, o paiol perto do chiqueiro.


Praça Rui Barbosa (Uberaba - MG), antiga "Praça da Matriz" em fotografia de 1908. Fonte: APU

O leque foi se abrindo: uns saiam pelas estradas de ferro, outros, no princípio, a cavalo, depois com um caminhão Chevrolet gigante. Agora até de aeronaves cruzam os oceanos a trazer riquezas que ajudam a embelezar e progredir as cidades que os exportam. Os fazendeiros que, antes moravam nas fazendas e só vinham às cidades assistir às missas aos domingos ou alguma outra festa religiosa, com o advento do automóvel começaram a construir estradas para as suas propriedades e residências nas cidades. Estas eram fruto do que os mascates traziam de terras longínquas.


Bovinos da raça Indubrasil com Caminhão de "Mascates", um termo que no Triângulo Mineiro passou a ser sinônimo de comerciantes de Zebu. Imagem da década de 1960. Fonte: Museu do Zebu

 

Orgulhosos do que faziam, os criadores procuravam fazer residências à altura do que exportavam. Surgiram, então, palacetes; eram muitos e em cada canto do país tinham um lote de tourinhos ou um caminhão de bois zebu. Eles queriam mais espaço. Na década de 1920 embarcava no Porto de Santos um carregamento de zebu para o México. Os EUA começaram a embargar, a atrapalhar. Os mascates não desistiram.

 

Dessa exportação algum garrote entrou nos EUA e contribuiu para a formação de raças que hoje enriquecem aquele país. O mascate do zebu é indomável. Inteligente por natureza, sabe convencer, engrandecer o seu produto porque acredita no que vende. Muitos deles, nessa labuta, trouxeram a tiracolo a filha de um fazendeiro que os hospedou. E agora estão entre nós engrandecendo a nossa cidade.

 

Esses homens obstinados, cruzando o Brasil de norte a sul, a cavalo ou de barco, as estradas de ferro, no princípio, eram limitadas e as de rodagem nem existiam. As dificuldades que surgiam tinham que ser resolvidas. Eram eles contra a agressividade e o desconforto dos caminhos e lá iam vendendo ou barganhando o seu produto. Na volta iam recolhendo a barganha, chegando com a guaiaca recheada, contando histórias tristes ou alegres. Cada um tinha a sua. Muitas dessas se perderam. As que sobraram traduzem a inteligência e a perspicácia desses moços.

 

Fonte: Cem Anos de Mascates (Publicação do Museu do Zebu, 1989)

 

* Sobre o autor: Conhecido também como "Quinca Borges", o mascate do zebu nasceu na fazenda Cascalho, em Conquista/MG, onde sua família criava indubrasil e gir. Ele atuou no ramo como negociante do gado até os 60 anos, além de ter trabalhado como jurado da ABCZ. Nos últimos anos, ele se dedicava à administração do "Bar da Porteira", famoso restaurante de Uberaba/MG. Faleceu em 2011.

 

Veja mais em:

Cem Anos de Mascates (Acervo Digital - CRPBZ)

 


Capa do livro "Cem anos de Mascates" de Quinca Borges.

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