Intensificação sustentável em sistemas pastoris e seus benefícios para o meio ambiente
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Publicado em 31/10/2016 às 16:36:57
- atualizado em 31/10/2016 às 16:43:46
Com o crescimento da população urbana, hoje estimada em 84% da população brasileira, o setor agropecuário vem constantemente sendo pressionado para se tornar mais e mais eficiente. Além da qualidade dos alimentos e aspectos de natureza social, questões ambientais têm norteado a produção de alimentos não só no Brasil, mas também em todo o mundo. A pressão pela não abertura de novas áreas, o uso eficiente da água, bem como a redução na emissão de gases de efeito estufa são exigências da sociedade e de consumidores cada vez mais antenados e informados. Atrelada a isso, a relevância do Brasil no fornecimento de alimentos para o mundo será cada vez maior.
Nesse contexto, a produção de carne bovina brasileira terá grande importância para atender a crescente necessidade dos mercados mundiais por proteína de origem animal. Em síntese, o agronegócio brasileiro tem pela frente um grande desafio: atender à demanda de um grande mercado consumidor (ainda mais com o fim da política do filho único pela China), sem utilizar novas áreas para produção e sem degradar o meio ambiente. Isso é possível? Há tecnologias disponíveis para superar esse desafio? A boa notícia é que mais essa revolução na agricultura e na pecuária já está em curso com o uso de tecnologias.
No Brasil, a pecuária bovina é realizada essencialmente a pasto. Assim, o aumento da produtividade de carne bovina no país deverá ocorrer, principalmente, pela intensificação sustentável da atividade em sistemas pastoris. Das 212 milhões de cabeças de bovinos, mais de 95% são criadas em cerca de 169 milhões de hectares de pastagem no país. Desse total, 50 milhões de hectares apresentam produtividades de carne extremamente baixas, em consequência da baixa capacidade de suporte (0,75 cabeça/ha). Esse passivo representa quase a totalidade da área destinada à produção de grãos no Brasil (58 milhões de ha). É, também, uma grande oportunidade para aumentar a produtividade da pecuária de corte por meio da recuperação da capacidade produtiva desses pastos.
A integração lavoura-pecuária (ILP) é uma tecnologia que apresenta grande potencial para recuperar áreas de pastagem de baixa produtividade. Das diversas modalidades de ILP, o plantio de pastagens consorciadas com culturas anuais tem se mostrado extremamente vantajoso, porque possibilita ao pasto aproveitar o adubo residual que o milho ou sorgo não conseguem utilizar ao longo de seu ciclo. Após a colheita do grão, a pastagem se estabelece, apresentando produtividade e valor nutritivo superiores para o período seco do ano. Nesse caso, numa mesma área, se produz uma safra de grãos e outra de boi, sem a necessidade de se adicionar mais fertilizante para o plantio do pasto. Em locais onde as condições de clima e solo permitem, é possível colher uma safra de soja, uma safrinha de milho, uma safrinha de boi e, no caso de fazendas de agricultura, uma safra de palha para plantio direto. Tudo na mesma área, no mesmo ciclo agrícola.
Intensificação sustentável em sistemas pastoris e seus benefícios para o meio ambiente. Foto: Fabiano Bastos, 2016.
Com relação à pecuária de corte, resultados obtidos em nível de fazenda e em estações experimentais no Cerrado mostram consistentemente que as produtividades de carne no primeiro ano de pastagens recuperadas com o uso de agricultura são, pelo menos, quatro vezes superiores à média nacional, de 120 kg peso vivo/ha/ano. Nessas condições, são frequentemente verificadas produtividades anuais da ordem de 600 a 900 kg de peso vivo animal por hectare. Esses ganhos vão além dos aumentos em produtividade, significam áreas poupadas para produção animal que podem ser destinadas para outras finalidades e, também, um impacto direto na redução da pressão pelo desmatamento.
Como é de se esperar, a produtividade animal a pasto decresce ao longo dos anos, principalmente quando não há reposição de nutrientes e, somada, a um manejo inadequado. Esse é mais um motivo que justifica a adoção da integração entre agricultura e pecuária. Isso, porque o pecuarista, de acordo com sua disponibilidade de capital, pode realizar um planejamento para que, gradativamente, áreas de pastagem sejam recuperadas na fazenda com o uso da agricultura. Com o passar dos anos, todos os pastos da fazenda serão recuperados, e os patamares de produtividade da propriedade elevados. Há algum tempo ouvi uma frase interessante sobre mudança de paradigma que dizia que nesses sistemas o pasto deixa de ser cultura perene. De fato, isso ocorre em fazendas onde, sistematicamente, a agricultura é utilizada para recuperar áreas de pastagem "cansadas".
Os ganhos auferidos pela recuperação da capacidade produtiva dos pastos, seja pela adoção de ILP ou de outra tecnologia, são bem maiores do que somente sobre a produtividade. A redução na ocorrência de pragas e doenças, melhorias nas qualidades físico-químicas e aumento nos teores de matéria orgânica do solo são conhecidos e vêm sendo bastante destacados. Outros benefícios também devem ser evidenciados. Em áreas de pastagens produtivas e bem manejadas, a taxa de infiltração de água é incrementada. Como consequência, maiores estoques de água no solo são verificados. Isso implica diretamente na maior recarga do lençol freático dessas áreas. Só para reforçar a importância desse benefício, especialistas salientam que cerca de 90% da vazão dos rios na região do Cerrado é proveniente da contribuição do lençol de água subterrânea.
Outras implicações da intensificação sustentável em sistemas a pasto estão relacionadas a perdas de solo e de água. Já foi demonstrado que sistemas de produção onde existe pasto, as perdas desses componentes são reduzidas a quantidades mínimas, quando comparados a um solo descoberto, no qual a perda de solo estimada foi da ordem de 53 toneladas e, de água, próximo de 300 mm por ano. Qual o custo e o impacto ambiental de toda essa perda? Quanto ganhamos em preservar o nosso solo e aumentarmos a taxa de infiltração de água? Todas essas questões têm que entrar no saldo positivo gerado pela intensificação sustentável da pecuária em sistemas pastoris.
Outro achado muito relevante diz respeito à degradação de inseticidas em solos de Cerrado onde a ILP é praticada. Foi demonstrado que em áreas de solo coberto com pastagem formada via ILP, a meia vida no solo dos inseticidas Bifentrina e Permetrina foi substancialmente reduzida quando compara a áreas de plantio convencional. Por fim, ainda ligado a questões ambientais, não poderíamos deixar de mencionar as emissões de gases de efeito estufa (GEE) pela pecuária bovina, em especial o gás metano. Toda vez que se aumenta a eficiência de sistemas de produção, a emissão relativa de metano reduz. Como exemplo, ao compararmos sistemas de produção a pasto onde a produtividade média passa de 120 para 180 kg de peso vivo por animal por ano, a redução na emissão de metano acumulada da desmama ao abate dos animais seria da ordem de 34%. Isso sem levarmos em consideração o carbono estocado no solo em sistemas pastoris. Nesse caso, o metano emitido pelo animal é praticamente anulado.
Autor: Roberto Guimarães Júnior Pesquisador da Embrapa Cerrados | Foto: Fabiano Bastos
Fonte: Revista ABCZ (Edição nº 94 - Setembro/Outubro de 2016)
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