Sistema de Avaliação de uma política Pública para o Pecuarista Familiar: o Programa Pró-Genética Voltar

Você está em: Pesquisa » Artigos Publicado em 26/01/2017 às 14:09:22 - atualizado em 26/01/2017 às 14:21:13
Fonte: ABCZ

O Programa de Melhoria da Qualidade Genética do Rebanho Bovino Brasileiro, é uma política pública do estado de Minas Gerais que vem ganhando nos últimos anos espaço nos demais estados da federação. Com o objetivo de democratizar a alta genética de rebanhos de raças zebuínos junto aos pequenos e médios produtores foi objeto de estudo da Universidade Estadual de Engenharia Agrícola da UNICAMP e já lançou além de uma dissertação de mestrado mais outros três artigos em revistas científicas no Brasil.

INTRODUÇÃO

 

Historicamente no Brasil as políticas públicas para o setor rural beneficiaram predominantemente os grandes produtores, principalmente os exportadores de commodities agrícolas, relegando a agricultura familiar a um lugar secundário e subalterno apesar de sua importância estratégica para a geração de emprego, renda e produção de gêneros alimentícios (LAMARCHE, 1998). É somente a partir da década de 1990 que a agricultura familiar brasileira passa a ser contemplada com algumas políticas públicas, a exemplo do Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) (MATTEI, 2005).

 

Em 2007 o governo do estado de Minas Gerais criou, por meio do Decreto Estadual no 44.613, o Programa de Melhoria da Qualidade Genética do Rebanho Bovino do Estado de Minas Gerais, o Pró-Genética,"com o objetivo de dar cumprimento à política estadual dirigida ao aprimoramento do rebanho bovino do Estado e o consequente fortalecimento das cadeias produtivas da carne e do leite"(MINAS GERAIS, 2007b).

 

O artigo quarto do Decreto instituiu um Grupo Coordenador com a finalidade de "analisar e deliberar" matérias relativas ao Programa. Dele fazem parte o Poder Público Estadual por intermédio da Secretaria de Estado de Agricultura, Pesca e Abastecimento (Seapa), a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater/MG), o Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA) e a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), e duas entidades de classe como membros convidados: a Associação Brasileira de Criadores de Zebu - ABCZ e a Associação Brasileira dos Criadores de Girolando (MINAS GERAIS, 2007b).

 

A implantação do Pró-Genética está baseada na "comercialização de touros geneticamente superiores, com raças voltadas para a produção de carne e leite, oferecidos preferencialmente aos pequenos e médios produtores" nas chamadas "Feiras de Touros" que ocorrem anualmente em diferentes municípios mineiros (MINAS GERAIS, 2007b).

 

O uso de touros melhoradores para cobertura natural de fêmeas é um usual e eficaz mecanismo biológico de transferência de ganhos genéticos (MINAS GERAIS, 2007a) e, por essa razão, o Programa orientou seus objetivos para a viabilização da compra de desses touros com registro genealógico. O foco foi dirigido para pecuaristas proprietários de rebanhos com até 160 cabeças (ou 100 vacas), o que para os padrões mineiros correspondem a pecuaristas de pequenos e médios portes. Segundo documentos oficiais de implantação do Programa esperava-se que a criação desse mecanismo de transferência de genética superior de rebanhos de elite aos rebanhos comerciais aumentasse "... a produção e a renda do pequeno e médio produtor rural..."com "... geração de emprego e renda" (PIRES, 2011).

 

Especificamente a Emater-MG (2007, p.2) explicita que os objetivos do Pró-Genética consistem em: "promover a transferência de genética superior dos planteis de bovinos de seleção para os estratos básicos de produção comercial em gado de corte e de leite; viabilizar a compra de touros melhoradores, com registro genealógico, especialmente pelos pecuaristas (leite e corte) com rebanhos de até 160 cabeças (até 100 vacas); e melhorar a qualidade do rebanho bovino comercial e contribuir para criação de mecanismos que aumentem a produção e a renda do pequeno e médio produtor rural (geração de emprego e renda no campo).

 

Os propósitos do Pró-Genética são coerentes com a importância da produção pecuária mineira já que Minas Gerais é um dos mais importantes estados no cenário nacional da bovinocultura de leite e corte[1], ocupando tradicionalmente a primeira posição em volume de produção com 5,7 milhões de litros/ano (28% do total nacional) e em número de estabelecimentos (223 mil representando17% do total) (BRASIL, 2006). A contribuição dos pequenos estabelecimentos para isso tem sido comprovada pelos censos agropecuários. Como exemplo, o último Censo (BRASIL, 2006) registrou que 56% dos 551.621estabelecimentos mineiros apresentavam produção pecuária e/ou criação de outros animais,sendo que 83% deles(256.475 unidades) eram de pequeno ou médio porte com áreas de no máximo 100 hectares. Excluindo desse grupo 64.887unidades com menos de cinco hectares cuja finalidade principal não era produtiva (chácaras de recreio, residências de fim de semana, etc.), restariam nada menos do que 191.588unidades representativas do público alvo do Pró-Genética.

 

 

Nesse contexto, o objetivo deste artigo foi propor um sistema de indicadores para sua avaliação continuada do Programa Pró-Genética denominado de Sistema de Avaliação do Pró-Genética, que está fundamentado em pesquisa qualitativa realizada junto a gestores e beneficiários do Programa em municípios da região do Triângulo Mineiro assim como em revisão da literatura especializada.

 

 

2. MATERIAL E MÉTODOS

 

2.1. A pesquisa de campo

 

Por se tratar de uma política pública que envolve essencialmente três atores sociais, o Estado representado pela Emater/MG, os pequenos e médios pecuaristas familiares[2]compradores dos touros melhoradores, e a associação dos criadores fornecedores dos touros - a ABCZ, optou-se pelo uso da avaliação por triangulação e da abordagem qualitativa e interdisciplinar para obtenção dos dados de campo.Para análise desses dados e do material advindo da pesquisa documental trabalhou-se a análise temática (MINAYO et al., 2005).

 

Sete pecuaristas familiares dos municípios de Frutal, Itapagipe, São Francisco de Sales, Carneirinho e Uberaba, da região do Triângulo Mineiro[3] foram selecionados por amostra dirigida e entrevistados durante o segundo semestre de 2012 com uso de formulário contendo questões fechadas e abertas, previamente elaboradas e testadas. Todos eram produtores familiares segundo os critérios do Pronaf[4], haviam comprado touro em alguma "Feira de Touros" e recebiam assistência técnica da Emater/MG.

 

Tanto a Emater/MG como a ABCZ foram abordadas metodologicamente por meio de entrevistas abertas com gestores responsáveis, técnicos e extensionistas participantes do Programa bem como pela análise de documentação relativa a reuniões, relatórios de trabalho e outras fontes.A janela temporal da pesquisa foi de 2006 a 2011.

 

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

 

3.1. Os pecuaristas familiares pesquisados

 

De um modo geral os perfis dos pecuaristas do Triângulo Mineiro entrevistados guardavam semelhanças entre si e com a maioria dos agricultores familiares mineiros (CAMARGO e OLIVEIRA, 2012). Apresentavam baixa escolaridade (maioria com ensino fundamental) e eram proprietários de estabelecimentos com áreas entre 24 e 145 hectares, exceto o produtor assentado que por razões legais detinha a cessão de uso da terra. Possuíam veículo próprio e suas casas dispunham de energia elétrica e telefonia. Alcançavam boas receitas monetárias quando comparados aos valores apurados por Kageyama et al. (2013) para produtores familiares mineiros e brasileiros, sendo a menor renda familiar mensal[5] do grupo dois e meio salários mínimose a mais alta de vinte SM[6].

 

Em relação aos sistemas de produção, predominavam as pastagens com brachiária praticamente sem manejo agronômico. Mesmo tendo adquirido um animal de genética superior, o que demonstra disposição para a tecnificação, nenhum produtor fazia registro sistematizado de acompanhamento e controle do manejo reprodutivo dos animais. As médias da produção de leite variavam de 2,60 litros a 12,50 l/dia/vaca ordenhada[7], sendo que os maiores índices de produtividade resultavam de estratégias que conjugavam uso de silagem de milho, ração balanceada e manejo reprodutivo do rebanho com o touro comprado.

 

3.2. As "Feiras de Touros"

 

A implantação do Pró-Genética tem ocorrido em função dos interesses locais (prefeitura municipal e escritório da Emater) em organizar as "Feiras de Touros", sem que haja necessidade de estabelecimento de metas a priori pelos seus organizadores. Nos municípios estudados o Programa tem alcançado bons resultados, em termos absolutos, ao longo dos anos analisados (Figura 1), mas a penetração das "Feiras de Touros" junto ao seu público alvo do Programa foi restrita. Ainda que se reconheça o significativo aumento do número de "Feiras" realizadas e de touros comercializados no período 2006-2011, os 1.822 reprodutores foram dirigidos para menos de 1% (0,95%) do total de 191.588 estabelecimentos estimados no início do artigo como público potencial do Pró-Genética.

 

O Censo Agropecuário de 2006 (BRASIL, 2006) apontou que Minas Gerais, juntamente com Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, detinham a maior parte do efetivo bovino do País, com rebanhos que somavam em cada estado mais 20 milhões de cabeças.

 

Adotou a denominação pecuarista familiar para designar a parcela dos produtores familiares mineiros que têm como principal sistema de produção a bovinocultura de corte ou de leite. Entre outros autores, Wanderley (2003) define genericamente agricultura familiar, ou produção familiar, como a unidade produtiva na qual a família ao mesmo tempo em que é proprietária dos meios de produção toma para si o trabalho no estabelecimento, assumindo uma lógica particular de funcionamento e execução de tarefas operacionais na qual detém o controle decisório do processo produtivo e direciona a produção não estritamente à obtenção do lucro, mas também ao suprimento das necessidades dos membros da família e à manutenção do patrimônio do grupo familiar.

 

 

[3]{C}O Triângulo é uma das dez Regiões de Planejamento do estado de Minas Gerais. É composta por 35 municípios, sendo os mais importantes Uberaba, Uberlândia, Patos de Minas, Araguari, Ituiutaba, Araxá e Frutal. Localiza-se entre os rios Grande e Paraíba.

 

[4]Detalhes em: http://www.agricultura.al.gov.br/programas/DAP.pdf

 

[5]Rendas monetárias provenientes da comercialização da produção leiteira para laticínios da região e de outros benefícios sociais como aposentadoria, pensão e bolsa família.

 

[6]O salário mínimo mensal na época da pesquisa valia R$622,00.

 

[7]Segundo Embrapa (2011), a produtividade média leiteira nacional é de 3,67 l/dia/vaca.

 

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