O Berrante Abriu Caminho Voltar

Você está em: Memórias do Zebu » Museu do Zebu » Histórias & Estórias Publicado em 24/05/2017 às 20:13:49 - atualizado em 25/05/2017 às 12:59:39
Francisco Cavalcanti em gravação no Museu do Zebu.

Não fosse a coragem de homens como Francisco Cavalcanti, o Zebu talvez não tivesse tomado conta das pastagens brasileiras como vemos hoje em dia. O Brasil perderia a chance de ter essa qualidade genética largamente comercializada mundo afora.

Quem nunca ouviu os "causos" sobre as comitivas que tocavam boiadas pelo sertão brasileiro? Tantas músicas sertanejas já ho­menagearam os homens que saíam levando o gado, enfrentando o tempo e os perigos da estrada, que muitas vezes era mato puro. Ao som do fiel berrante, homens como o senhor Francisco Cavalcanti, "seu Chico", plantaram nas pastagens brasileiras a genética Zebuí­na. Aos 103 anos, Chico está lúcido e falante, apesar de escutar mal. As vistas já não são as mesmas que enxergavam no breu da noi­te, quando em comitiva, enfrentava os peri­gos dos campos ainda selvagens.

"Seu Chico", que foi um desses desbrava­dores do sertão, relembra com clareza aque­le tempo. Na sua época, o Zebu estava ga­nhando espaço nas pastagens. Ainda havia desconfiança por sua aparência rústica. Afi­nal, fora trazido de regiões onde haviam até florestas e lá corria solto, sem doma. Alguns desconfiados falavam que o gado era atração de circo, outros ousados acreditavam que seriam a solução para o clima tropical. Ga­nharam aqueles que apostaram na produti­vidade do Zebu, que hoje domina a pecuária nacional e é cobiçado pelos estrangeiros por sua qualidade produtiva, precocidade e via­bilidade econômica. Aquela rusticidade hoje é valorizada, porque o mercado busca cada vez mais animais resistentes e produtivos. Uma combinação difícil de se obter, mas que os produtores brasileiros mostraram ter afi­nada no olhar para a seleção bovina.

 

Os primeiros registros do gado trazido da Índia datam de 1855, no Rio de Janeiro, mas é difícil precisar esses dados. De acordo com alguns historiadores, em 1900 os irmãos ube­rabenses Antônio e Zacarias Borges Araújo viram pela primeira vez o Zebu na fazenda de Manuel Lengruber, em Niterói. Os irmãos Borges então adquiriram "Lontra", touro gu­zerá que foi o primeiro trazido para Uberaba. A saga do Zebu teve como atores principais os pecuaristas que acreditavam no potencial das raças Zebuínas e que não mediram es­forços para comprovar seu "feelling" (senti­mento ou sexto sentido).

 

Predestinado

 

Já com 12 anos, Chico brincava com laran­jas, que sua imaginação fértil transformava em bois. A "boiada" foi trocada por animais de verdade mais tarde. Aos 18 anos já viajava com o pai até Porto Suarez, na Bolívia. Le­vou200 animais. Daí chegou a hora de fazer Tiro de Guerra. Uma pequena pausa que não abalou Chico. O jovem também era precoce e, segundo ele, um conquistador. Conheceu Alda, a esposa, em uma situação inusitada. Na época, estava conduzindo mais de 100 soldados ao circo que estava na cidade. "Eu passava, a moça ficava olhando o sargenti­nho... Olhei pra ela… e deu casamento", con­ta sorrindo. Tiveram dois filhos, que deram cinco netos e um bisneto. Hoje viúvo, seu Chico também perdeu um filho.

 

Contam os livros que em 1906 aconteceu a primeira exposição do Zebu no país, na Fa­zenda Cassú. De lá em diante, o gado india­no mostrou a que veio, e não decepcionou. Como boiadeiro, Chico Cavalcante não tinha um patrão fixo e trabalhava livremente. "Le­vei duas mil novilhas pra Bolívia. Levei 300 touros, embrenhando pela água, de Uberaba até o Pantanal, do Pantanal pra Rondonó­polis", recorda. O boiadeiro não se intimi­dava com distâncias ou dificuldades. Certa vez, indo ao Maranhão, em 1961, Lamarti­ne Mendes, um dos maiores pecuaristas do país, intermediou um negócio e um político veio comprar 700 novilhas para expandir a criação de Nelore naquele estado. Seu Chi­co e sua tropa levaram o gado até a Ponte do Estreito, na divisa com Goiás. Se um boi morresse, ele tinha que retirar a marca para entregá-la ao dono.

 

A aposentadoria veio em 1972. Uma nova missão se mostrava em seu caminho e ele quis ser fazendeiro em um povoado perto de Frutal, em Minas Gerais, conhecido como Cisco. "Meu cunhado comprou uma fazenda por 220 contos, financiada. Tinha uns 400 bezerros" conta. Mas os desafios não acaba­ram aí e Chico acabou perdendo tudo. Como bom sertanejo não se abalou e foi em frente até reconquistar sua estabilidade, com uma casa e sítio, onde mesmo depois de um sé­culo de vida ainda andava a cavalo. "Ainda coloco muito rapazinho no bolso", brinca.

 

Fonte: Revista ABCZ Ed. 97. mar/abr. 2017.


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