A década de 40 e a ascensão do Zebu
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Publicado em 19/02/2018 às 08:27:08
Com 80 anos de registro genealógico das raças zebuínas no Brasil comemora-se não apenas uma conquista para os criadores de Zebu mas a liderança do Brasil na produção tropical de carne e leite graças ao melhoramento genético realizado ao longo das décadas.O zebu.org possui toda esta história. Fotos, documentários, artigos e tudo mais que faz parte dessa história! Leia, compartilhe e contribua !
O Zebu esteve presente no território brasileiro desde o seu descobrimento, porém foi bem depois que começou-se a utilizá-lo como animais para produção de leite e carne e não mais para tração das lavouras de café e cana.
Aqueles que começaram a criação de animais zebuínos no Brasil foram os precursores da formação do maior rebanho bovino comercial do planeta. Esta história você encontra aqui no zebu.org do início até os dias atuais.
O recorte neste artigo está situado nas décadas de 1940 a 1960 onde houve uma grande expansão da agricultura e pecuária no país. Época marcada por grandes transformações econômicas, políticas e sociais que impactaram o Brasil de hoje.
Este breve apanhado é para que possamos observar como a história e a inovação no campo foi trazendo novas divisas ao país e por outro lad, problemáticas ambientais e social que precisam ser discutidas na atualidade.
O objetivo deste estudo é descrever alguns fatos importantes neste período que foi de suma importância para ascensão da pecuária brasileira, que com o passar dos anos, fez com que o país se tornasse um dos maiores players da produção de carne de todo o planeta.

ABCZ
O Brasil na década de 1940 estava em pleno crescimento populacional com um salto de 41,2 milhões de pessoas para 51,9 sendo assim um aumento de 26%. As pessoas começavam a migrar do campo para a cidade e exigia medidas tanto governamentais como de outros setores como as organizações civis e religiosas. Mesmo com a população crescendo mais nas cidades, o Brasil termina a década como um país predominantemente rural, com 33,2 milhões de pessoas (64% do total) vivendo no campo.
Importante ressaltar, que neste período o país estava mergulhado na era do presidente Getúlio Vargas, que tinha como um dos projetos para a nação a "Marcha para o Oeste" promovida pelo Estado Novo onde se tinha o objetivo de abrir novas fronteiras rumo ao Norte e Centro-Oeste brasileiro. Fazia muito sentido investir no desenvolvimento agropecuário, já que o país se compunha de imensas áreas de florestas e rios com potencialidades para o avanço econômico.
As regiões Norte e Centro-Oeste eram consideradas pouco povoadas e pouco integradas com as regiões litorâneas, sobretudo Sudeste e Sul do Brasil. Assim, a proposta inicial era promover o desenvolvimento populacional e econômico dessas regiões. Outro objetivo era a integração dessas áreas a partir do desenvolvimento da malha rodoviária, sobretudo em Goiás, considerado estratégico graças à sua posição centralizada no mapa do Brasil.
Vários fatos importantes e acontecimentos marcaram esta época, em termos culturais, estruturais e ideológicos. O forte teor nacionalista propagado na época defendia a ideia de que a verdadeira brasilidade só seria encontrada no interior do país pois o litoral já se achava contaminado pelo estrangeiro.
O Estado Novo via na pecuária zebuína, já alguns anos avançando no país, como um grande aliado na expansão da agricultura e pecuária na região Norte e Central, transformando-a em política pública. Entre as ações de peso que retratam esta forte tendência para o país nesta época, foi a oficialização por parte do Ministério da Agricultura do Registro Genealógico das raças Zebuínas que seria realizada pela Sociedade Rural do Triangulo Mineiro (SRTM) em 1938 que mais tarde se transformaria em Associação Brasileira do Criadores de Zebu (ABCZ).
A implantação do Registro Genealógico das Raças Zebuínas, representou um marco para o melhoramento genético da pecuária bovina nacional. O registro das raças permitia a organização deste banco de dados de animais que foram introduzidos no país em diferentes importações e possibilitou o melhoramento genético das raças ao longo dos anos, cujo reflexo foi o aumento na produtividade de carne e leite nos dias atuais.
Com políticas públicas voltadas para o campo,seguiram-se outras deliberações importantes para o desenvolvimento técnico e de pesquisas nas áreas de nutrição, manejo e melhoramento genético como a criação da Fazenda Experimental de Criação Getúlio Vargas. Outro fato importante foi a criação da feira Nacional de Exposições de Gado Zebu em Uberaba realizada anualmente no Parque Fernando Costa desde 1941. A feira tornou-se nos dias atuais o maior encontro de raças zebuínas não apenas na América Latina mas no mundo, gerando valor econômico e técnico.
Além das ações para agricultura e pecuária era necessário promover a integração do interior com as áreas de escoamento de produção junto ao litoral. Isto ocorreria através do desenvolvimento de rodovias e também do desenvolvimento populacional. Assim no estado de Goiás, Amazonas, Mato Grosso, Pará e Maranhão foram implantadas as colônias de habitações.
Com um país cercado de latifúndios e uma população pobre e sem recursos financeiros, a proposta varguista defendia que para haver uma integração econômica entre as regiões era necessário se investir nos desmontes dos latifúndios e seguir com uma reforma agrária, assim a população avançaria rumo ao Centro e Norte brasileiro até terem maior contato com as nações indígenas. O desenvolvimento populacional seria realizado a partir de voluntários (principalmente pobres e originários do Nordeste) que se dispusessem a se deslocar para as regiões promovidas pelo projeto.
A questão da reforma agrária sempre foi muito delicada no mundo. Um dos objetivos básicos das reformas em países não comunistas é melhorar a vida do homem do campo e redistribuir a renda a seu favor. Depois da II Guerra, percebeu-se também que se tinha ali um excelente instrumento para dar à agricultura um papel estratégico no desenvolvimento dos países pobres. O governo brasileiro portanto acompanhava esta tendência estratégica de outros países.
São dos anos 40 e 50 as quatro grandes experiências em países de economia de mercado - Japão, Taiwan, Coréia do Sul e Egito, com decisiva influência nas que vieram depois. Como os três primeiros se transformaram em potências econômicas, suas experiências serviam como vitrine. Comparadas à coletivização forçada na União Soviética, a grande experiência socialista nos anos 30, que custou 6 milhões de mortos e resultou numa agricultura até hoje ineficiente, as reformas asiáticas são exemplos até hoje.
Abre-se um parêntese para elucidar que na atualidade o Brasil possui questões complexas de ocupação de terras ainda não compreendidas ou solucionadas pelo governo e a sociedade. As questões dos território indígena, quilombolas e assentamentos agrários encontram-se ainda com muitos entraves.
Retomando as ações da era varguista, avançar desta maneira por um continente coberto por matas e rios só foi possível com o gado zebu. A espécie bos indicus bastante adaptadas ao clima tropical brasileiro é fisiologicamente muito resistente a doenças e adversidades climáticas,sendo assim, o Zebu foi um dos maiores aliados para se cumprirem estes objetivos. Abrir novas fronteiras dependia da derrubada da mata, o plantio de pastos e a entrada do gado, assim foi se ocupando os estados na região Central e Norte do país. O Zebu foi o que deu o contorno territorial brasileiro seguido pela agricultura. Ambos ocupam hoje a liderança na exportação mundial de commodities.
Perante aos fatos e ações governamentais do passado é possível entender como o país avançou na produção de carne, leite e demais produtos agrícolas. O Brasil possui um território com temperatura, precipitação de chuvas bem distribuidas e solo fértil ao longo do ano, seguido de conhecimento técnico e científico que o tornou um grande produtor de alimentos.
Segundo dados governamentais, mais de 60 % do território nacional possui suas matas nativas preservadas. O código florestal brasileiro é o mais completo e complexo entre as nações. Existem desafios a serem superados, porém o avanço na pesquisa e tecnologia no campo faz com que o país seja referência em produtividade e preservação ambiental.
Contribuições da carne brasileira durante a Segunda Grande Guerra Mundial
A era varguista ainda enfrentou o período da Segunda Grande Guerra Mundial. Por um lado o país passava a ter um foco de desenvolver sua indústria e economia interna, porém as tropas europeias necessitavam de proteína para sobreviver nos campos de batalha.

Segunda Guerra Mundial, suplementos de campo de batalha
Assim, o Brasil passou a exportar muita carne, e o setor pecuário estava eufórico, crescendo como nunca. Os bancos financiavam as compras devidas as exportações. Já em 1939, o país saltava de 50.000 para 80.000 toneladas exportadas. Entre 1940 e 1942 chegaram a 127 mil toneladas.Os preços dos animais começaram a disparar devido o momento que exigia mais carne ao mesmo tempo que o leite decaia para os piores níveis nos anos de 1940, 41 e 42.
O peso médio das reses brasileiras abatidas era de 183,839 kg para um total de 4,5 milhões de cabeças. Depois da Guerra, o peso iria decair devido ao desestímulo generalizado e ao fim do período de euforia.Em 1943 se enviava tudo para o frigorífico, o abate de vacas foi tão grande até que tiveram que fechar as exportações pela falta de bovinos no mercado, assim Brasil teve que importar animais do Uruguai em 1944.
A pecuária de corte, à custa da guerra, nunca havia evoluído tanto e os frigoríficos abriam suas plantas e os negócios prosperavam. Neste período começou-se a praticar a técnica de seleção que iria surgir mais tarde como ciência dentro do melhoramento zootécnico mundial - onde se tentava fixar as raças zebuínas Guzerá e o Nelore. Isto serviria para as bases de rebanho locais em Uberaba e Conquista, Minas Gerais, para que não houvesse a necessidade de buscar esses animais no Rio de Janeiro. Até 1920 tudo que tivesse cupim e orelhas longas era classificado como "Zebu" .
Os negócios realizados com o gado zebuíno rústico e adaptados ao nosso clima tropical se expandiram por todo o país com o trabalho de comercialização dos "mascates", que primeiramente tocavam o gado montados em lombo de burros e mulas e anos mais tarde, com a vinda da indústria automobilística para o Brasil nos anos de 1950-60, utilizavam caminhões.
O crescimento do rebanho bovino nacional e dos negócios com as raças zebuínas incentivaram a ideia de associativismo e organizações para o fortalecimento dos pecuaristas e das raças no início do século XX. Neste período a SRTM passa a ser ABCZ , deixa de ter o formato de sindicato para relamente se tornar uma Associação voltada para os interesses dos criadores brasileiros de Zebu. Hoje a maior referência de raças zebuínas no mundo.
A crise dos cafezais, a primeira guerra e a crise do pós-guerra criaram condições favoráveis ao fortalecimento econômico da atividade pecuária e à consolidação das primeiras raças puras como o Guzerá e o Nelore e o mestiço triplo denominado Indugoiais, Induporã, Induaraxá, Induberaba, Indubahia e Indubelém até chegar numa nova raça brasileira, o Indubrasil (1928). Aqui fica marcado o esforço dos criadores na busca de uma pecuária tropical tendo como ferramenta os cruzamentos até chegarem em animais rústicos e adaptados ao clima.
A década de 1940 até 1960 foi marcante para o progresso do rebanho zebuíno brasileiro. Hoje o efetivo populacional bovino encontra-se em torno de 200 milhões de cabeça sendo que 90% possui traços genéticos de raças zebuínas. A alta adaptabilidade aliada ao controle genealógico realizado pela ABCZ ao longo das décadas, possibilitou o melhoramento genético por meio da seleção dos rebanhos para propósitos de carne ou leite. Não apenas as raças puras possuem seu valor mas seus cruzamentos, que possibilitam abates mais precoces e aumento na produçaõ de leite em pequenas e médias propriedades.
Pesquisa e redação: Aryanna Sangiovani Ferreira, mestra pela Unicamp em Planejamento de Desenvolvimento Rural Sustentável.
Fontes:
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Abcz
CENTRO DE REFERÊNCIA DA PECUÁRIA BRASILEIRA - ZEBU