Fake news nutricionais, Sérgio Raposo Embrapa Gado de Corte Voltar

Você está em: Zebuinocultura » Destaques Publicado em 27/02/2019 às 08:45:57 - atualizado em 27/02/2019 às 09:07:46
Revista AG

Veja dez notícias falsas que circulam na rede e podem comprometer a produtividade pecuária.
Sérgio Raposo é pesquisador da Embrapa Gado de Corte
Fonte: AG a Revista do Criador ( Fev 2019 - nª 223)

O mundo digitalizado é uma conquista formidável da humanidade, mas um desafio é aprender a ser - cada vez mais - seletivo, para que boas informações sejam privilegiadas, pois pipocam as fake news, aquelas notícias falsas.

Uma política de tolerância zero contra a mentira não só é um imperativo moral, mas o único caminho para um futuro que valha a pena ser vivido. A nutrição animal, como não podia deixar de ser, tem suas fake news também, que trazem prejuízo para as pessoas, que acabam sendo iludidas por elas. Vejamos algumas:

 

1) É melhor usar o sal para gado na nossa comida do que o sal branco do supermercado.

 

É capaz que muita gente estranhe ter essa fake news em primeiro lugar na lista, mas ela é um exemplo de mentira que deriva de outras mentiras. Foi divulgado na internet que seria interessante trocar o sal comum - que usamos no dia a dia, em casa - pelo sal do gado.

 

Comecei a receber e-mails de muita gente perguntando, e eis a resposta: o sal para gado deve ser usado apenas pelos animais. Tanto o sal comum (um dos ingredientes do sal mineralizado vendido pelas fábricas de ração) como o próprio sal mineralizado.

 

O gado precisa do sal mineralizado, pois consome apenas forragens, que, frequentemente, têm teores de vários minerais abaixo das exigências para atingir seu potencial produtivo. Nós, humanos, se tivermos uma dieta diversificada - rica em cereais, legumes, frutas, verduras e carnes -, temos grandes chances de não precisarmos de qualquer suplementação, seja mineral, seja vitamínica.

 

As principais diferenças entre eles são:

 

O sal que compramos no mercado é basicamente só o cloreto de sódio (fornecendo Cloro e Sódio), enquanto o sal mineralizado que fornecemos aos bovinos é uma mistura de sais e óxidos para fornecer vários elementos minerais, razão de ter surgido esse mito;

 

Os processos para fabricar ingredientes e suplementos para animais têm exigência quanto à manipulação e à higiene inferiores ao nosso sal; No caso do sal branco para gado, há, ainda, mais um problema: apenas aquele destinado para consumo humano é enriquecido com Iodo por força de lei, visando reduzir a incidência de bócio ou papeira, distúrbio decorrente da falta de Iodo na dieta; E outra grande vantagem de voltar ao sal para humanos é que o sabor da comida vai melhorar muito!

 

2) Proteinado é tudo igual, então uso o mesmo nas águas e na seca

 

Apesar dos ingredientes serem basicamente os mesmos, há grandes diferenças na formulação dos suplementos indicados para cada estação, uma vez que a pastagem que eles complementam nutricionalmente é totalmente diferente uma da outra. Um ingrediente que muda completamente nas formulações, todavia, é a ureia: na seca, aparece em grandes quantidades, costumando ser a maiorfonte de proteína.

Nas águas, nem aparece, ou ocorre em quantidades muito pequenas. Aliás, um risco de continuar usando o proteinado das secas após a volta das chuvas é exatamente essa combinação resultar em poças d'água no cocho em que a ureia solubiliza.

Se for consumido rapidamente e ultrapassar o limite crítico (> 40-50 g ureia /100 kg PV), o animal pode morrer não muito depois dos primeiros sinais de intoxicação.

 

3) Usar ureia para animais em reprodução é prejuízo na certa

 

Ureia não atrapalha a reprodução quando o fornecimento é feito dentro das recomendações nutricionais e consumida dentro do esperado. Há, inclusive, trabalho mostrando animais intoxicados experimentalmente até a beira da morte, mas que, depois de recuperados, tiveram desempenho reprodutivo normal. O que causa risco ao desempenho da reprodução é o excesso de proteína, especialmente daquela degradável. Quando se tem pouca energia e muita proteína degradável, o desbalanço se agrava. Bem usada, a fonte mais barata de proteína pode ser uma grande aliada da reprodução.

 

4) Para ter elevados índices de fertilidade, só suplementando com ração

 

Os índices reprodutivos têm uma estreita correlação com o estado corporal das vacas. Fazendas que parem vacas em boa condição corporal têm bons índices. Uma vez que elas estejam bem na parição, basta manter condição corporal até o próximo parto. Boa disponibilidade de forragem e sal mineral são suficientes para ganho de peso na época das águas.

Usar o sal com ureia costuma ser suficiente para manter o peso em pastos com boa massa de forragem na seca. Assim, é perfeitamente possível ter elevados índices de fertilidade (~ 80%) com um bom manejo de pastagem mais um correto manejo da nutrição apenas com sal e sal ureado.

 

5) Ureia pecuária e ureia agrícola são a mesma coisa

 

Há pessoas que juram de pé junto que a ureia pecuária e a ureia agrícola saem da mesma "bica" na fábrica. Isso, todavia, não procede, pois são feitas de forma diferente e com características próprias. Algumas diferenças: aureia pecuária não possui Formol e o Polivinilacetato (PVA), nem controle do teor de biureto, o que a torna inadequada, principalmente à adubação.

Para fertilizante, a granulometria é de grande importância, enquanto o grau de pureza é a maior preocupação da pecuária. A principal diferença está na legislação: é proibido o uso da ureia agrícola para alimentação animal. Nem no mesmo local elas podem ser armazenadas. A pecuária tem maior incidência de impostos, sendo bem mais cara. Assim, por não haver diferença de desempenho dos animais consumindo uma ou outra, há grande tentação em se usar a agrícola no lugar da pecuária.

O problema é que o uso de ingredientes proibidos é considerado um grave crime, e, quando chega às manchetes dos jornais, o resultado é perda de confiança no produto, sendo mais um estímulo para termos um novo vegetariano na população. Assim, o produtor deve abrir mão desse ganho a curto prazo para evitar problemas legais e, principalmente, notícias negativas sobre seu negócio, mesmo porque o que parece uma grande economia, quando se avalia na planilha de custo como um todo, fica pequena.

 

6) Incluir gordura na dieta ajuda a acabar o animal

 

Gordura não ajuda a apressar a terminação, mas a taxa de ganho de peso, sim. Quanto maior o ganho, mais gordura o animal deposita e mais rápida é a terminação. É por isso que animais em pastagem precisam ser mais pesados para terminar, e, em um lote semelhante em confinamento, ficam prontos para abate bem mais leves. Assim, a dieta com gordura só ajudará na terminação se promover um ganho de peso superior ao da dieta alternativa sem ela. O oposto, todavia, pode ocorrer, pois podemos ter uma dieta que resulte em um ganho menor por ter excesso de gordura, que atrapalha a fermentação ruminal e/ou reduz a ingestão de alimentos. Assim, opostamente, segundo a nossa intuição, dar muita gordura ao animal pode fazê-lo demorar mais a depositar tecido adiposo e retardar a terminação.

 

7) Sempre vale a pena usar aditivo

 

Há consultores que afirmam que, se você faz uma dieta de confinamento sem aditivo, já errou, mas é preciso fazer uma ressalva: usar apenas aditivos que tenham custo-benefício positivo.

Algumas dicas para escapar de aditivos inócuos que abundam no mercado:

(a) desconfiar de aditivos que prometem ganhos muito expressivos (acima de 20%), sejam muito baratos e/ou baseados em fundamentos ilógicos, ou com explicações muito exotéricas;

(b) procurar informações em fontes confiáveis.

 

8) Vale a pena ajudar bezerro a ter bactérias ruminais

 

Há produtos oferecidos no mercado que prometem acelerar a colonização ruminal e, eventualmente, alegam, também, ser fonte de superbactérias. No quesito de adiantar a colonização ruminal, não existe nenhuma evidência que haja vantagem, pois a inoculação natural já é muito eficiente. Os contatos com a mãe, com outros animais e com o ambiente prestam esse serviço rapidamente e de graça! Quanto às superbactérias, mesmo que elas existam, a questão é que o ambiente ruminal é extremamente competitivo, e, como elas têm de fazer algo super (por exemplo, produzir mais enzimas), perdem na competição com as normais - que não têm esse peso extra - e acabam sumindo. Enfim, o bezerro não precisa dessa ajuda.

 

9) Dieta com caroço de algodão em confinamento resulta em carne de sabor ruim

 

Frequentemente, é relatado problema de sabor na carne de animais que receberam caroço de algodão em sua terminação, e, portanto, essa não é exatamente fake news, havendo hipóteses para tal:

 

(a) inclusão exagerada (> 15% da MS);

(b) mau estado de conservação do caroço; e

(c) acúmulo de algum componente aromático na gordura (por exemplo, Gossipol);

Valores tão elevados, como 20% da MS como caroço de algodão, não resultaram em carne com sabor alterado. Isso pode ser explicado porque, por exemplo, os teores da substância que causam o problema são variáveis.

Além disso, provavelmente o tempo de exposição ao caroço seja tão importante quanto a quantidade. Há, inclusive, casos de carne com sabor ruim que eram atribuídos ao caroço, mas que, na verdade, eram de animais que nunca haviam consumido esse produto, mas que consumiram grão de soja. Como ambos são ricos em gordura insaturadas, mais fáceis de rancificar, esta pode ser a razão. Portanto, a incorreção da notícia seria:

(I) nem sempre o caroço de algodão causa gosto ruim na carne e (II) nem todos os casos de sabor da carne são decorrentes do uso de caroço de algodão.

 

10) Ganhar dinheiro com pecuária é fácil

 

Esse não engana quem vive da atividade, mas é algo bastante arraigado na população urbana, que pensa o mesmo sobre a agricultura. Esse é um erro que começou na carta de Pero Vaz de Caminha para o rei de Portugal na época do descobrimento ("Nesta terra, em se plantando, tudo dá"). O único antídoto é tentar informar mais o mundo urbano, o que é uma boa meta para associações de classe do setor agropecuário. O lema poderia ser: "o agro é tech, o agro é pop, mas, se fosse fácil e desse muito dinheiro, como se pensa por aí, as cidades estariam vazias!".

Fugindo das fakes news, concentrando em fazer bem feito, espero que, se não ganhemos fácil aqui no campo, pelo menos ganhemos bem. Daí, a vantagem é o ar puro, a imensidão do horizonte e o profundo azul do céu...

 

*Sérgio Raposo é pesquisador da Embrapa Gado de Corte

Fonte: AG a Revista do Criador ( Fev 2019 - nª 223)


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