BRASIL AFORA Zebu: o gado adaptado ao Nordeste
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Publicado em 26/08/2019 às 14:40:26
BRASIL AFORAZebu: o gado adaptado ao NordesteO sucesso das raças zebuínas e a determinação dos criadores que fazem história em uma região de clima secoBreno Cordeiro
BRASIL AFORA
Zebu: o gado adaptado ao Nordeste
O sucesso das raças zebuínas e a determinação dos criadores que fazem história em uma região de clima seco
Breno Cordeiro
O Nordeste é uma das regiões mais emblemáticas de todo o Brasil. Com uma área equivalente a quase um quinto do território nacional, é caracterizado por uma variedade surpreendente de biomas e condições climáticas. Os nove estados brasileiros que compõem a região trazem consigo uma longa e rica história que remonta ao Descobrimento do país. Nesse contexto, cabe perguntar: como a pecuária zebuína se adaptou ao Nordeste?
Assim como a própria região, a criação nordestina de gado zebu apresenta-se bastante diversa; a pecuária precisou superar a instabilidade do clima, distribuindo as raças bovinas de acordo com as suas aptidões para sobreviver e proliferar. "O Nordeste é imenso. As raças zebuínas mais criadas por aqui são o Nelore, o Guzerá, o Gir e o Sindi, mas depende muito das regiões", ressalva o gerente da ABCZ no ETR Campina Grande, na Paraíba, Luciano Bezerra.
"Em partes mais úmidas, mais próximas ao litoral, é mais comum encontrar a pecuária de corte, com predominância do Nelore e até do Tabapuã. Já no interior, onde o clima é extremamente seco, as fazendas leiteiras são mais frequentes, com rebanhos de Guzerá, Sindi e Gir", destaca.
A grande inconstância das chuvas em toda a região, particularmente onde se ultrapassam os 70 quilômetros da costa, não é novidade para nenhum nordestino. Ano após ano, intensas secas e períodos prolongados e imprevisíveis de estiagem assolam agricultores e pecuaristas, que se veem forçados a procurar alternativas viáveis para contornar a ausência de um fornecimento confiável de água.
"É nesse contexto que entram as raças de dupla aptidão, capazes de produzir tanto leite quanto carne", revela Luciano. "Seja qual for a raça, percebemos uma mudança no perfil do gado se compararmos os animais nordestinos aos do restante do país. No Nordeste, especialmente nas áreas secas, eles têm um porte menor, mas uma produtividade acima da média. Isso se deve às diferenças no ambiente e, sobretudo, na alimentação", diz.
A escassez do pasto, decorrente da aridez climática, leva os criadores do Nordeste, em sua maioria de pequeno e médio porte, a estabelecerem sistemas de irrigação em áreas determinadas das fazendas, com o objetivo de produzir forragem, compensando assim a falta de chuva.
"A silagem, o feno, tudo isso é importante. O que realmente impressiona nos rebanhos do Nordeste é a rusticidade. As fêmeas concebem, criam e apartam as crias com muita eficiência", explica Luciano.
BOX' - Agropecuária Gramado: 30 anos de dedicação à pecuária de corte
Em Araruna, próxima do litoral da Paraíba, o criador Fernando Teixeira di Lorenzo comanda a Agropecuária Gramado. Localizada a 165 quilômetros da capital João Pessoa, a cidade tem as condições climáticas que favorecem a criação de gado de corte. Assim teve início, há quase 30 anos, a trajetória da família di Lorenzo na pecuária nordestina.
O pai de Fernando, de quem também herdou o nome, estabeleceu os primeiros animais da raça Nelore que viriam a tornar-se o rebanho de 150 cabeças administrado hoje pelo seu filho. Criados em confinamento, visando à produtividade e como uma forma de contornar a escassez de água que, mesmo no litoral, ainda é marcante, os animais são selecionados de acordo com as características clássicas do Nelore.
"O nosso foco de produção sempre foi a genética. Quando começamos, em 1989, não se viam tantos pecuaristas no Nordeste, porque o clima seco ainda era considerado um risco muito grande para esse tipo de atividade. A minha ideia era explorar um mercado que estava apenas começando na região", revela Fernando, pai. "Queremos animais pesados, com boas carcaças e com eficiência reprodutiva".
De lá para cá, a ousadia e a coragem compensaram. Com animais premiados como grandes-campeões em eventos locais, a Agropecuária Gramado mantém-se firme apesar das intempéries climáticas que caracterizam o Nordeste. "As avaliações genéticas vêm se adaptando à realidade da nossa região. Com isso, está ficando mais fácil conseguir animais que possuem uma boa produtividade e capacidade reprodutiva eficiente, comparável até aos rebanhos do Centro-Oeste", considera Fernando, filho. Para ele, a rusticidade do gado Nelore é a chave para a adaptação do animal às condições de estiagem.
"É o criador que tem que se preparar para que o gado supere esses obstáculos. É preciso controlar a alimentação, prestar atenção à silagem. O confinamento é uma ferramenta muito útil para economizar água", conta.
BOX - O reconhecido criatório Sindi Pompeu Borba
Para responder às dificuldades relacionadas ao clima semiárido da região nordestina, muitos produtores apostam em raças com dupla aptidão. Na fazenda Riacho do Navio, em Campina Grande (PB), o criador Álvaro Lins Borba comanda o espólio Sindi Pompeu Borba, iniciado pelo seu pai, Pompeu.
Como o nome indica, a fazenda é dedicada à criação do rebanho Sindi - são aproximadamente 900 animais trabalhados com o objetivo de aprimorar a genética, desde 1981. Para Álvaro, a dupla aptidão é a chave para se fazer uma pecuária com sucesso no Nordeste.
"Com todos estes anos de experiência, consideramos que as raças de dupla aptidão estão mais preparadas para a pecuária no clima semiárido. Na nossa concepção, quem se especializa na produção de apenas carne ou apenas leite acaba escapando um pouco da alternativa mais viável para o Nordeste", explica.
Quando questionado sobre a maior dificuldade enfrentada na criação de gado na região, Álvaro não hesita: "É o clima, certamente. A falta de chuva afeta muito a alimentação disponível para os animais. A produção de forragem é muito escassa, aqui nós usamos a palma forrageira para suprir essa necessidade. O gado é criado extensivamente, mas recebe suplementação quando a escassez é absoluta", descreve o criador.
No entanto, o clima agressivo do Nordeste não traz apenas desvantagens para a pecuária. "A ausência de umidade tem uma vantagem: pelo fato do clima ser muito seco, os animais adoecem muito pouco. Temos menos proliferação de bactérias, vírus e outros agentes patológicos. Juntando isso à rusticidade do Sindi, temos um rebanho saudável e muito produtivo", afirma.
De fato, a escolha da raça Sindi não foi feita por acaso. "São animais adaptados às intempéries do clima, e que produzem muito com pouca comida. Têm uma ótima fertilidade e são muito precoces, tanto na produção, quanto para acasalamento", avalia Álvaro. Todas essas características são extremamente desejáveis em uma região como o Nordeste.
Como subproduto, a Sindi Pompeu Borba também retira leite de suas vacas, mas ele é destinado à alimentação dos bezerros. "É por isso que a dupla aptidão se torna um fator importante", explica o criador.
Observando a estratégia envolvida na escolha da raça, do manejo do gado e nas alternativas procuradas para encontrar uma solução alimentar para o clima que impede a abundância de água e comida, é fácil compreender como os produtores como Álvaro permanecem - e proliferam - no mercado.
Box 3 - Fazenda Carnaúba: reduto da eficiência nordestina
A versatilidade é uma qualidade que beneficia qualquer criador, e torna-se especialmente útil e importante no Nordeste. Com todos os desafios que a região representa, somados à arte delicada da pecuária, que por si só já requer experiência, conhecimento e paciência do produtor, é preciso saber tomar as melhores decisões em prol de uma fazenda produtiva e sustentável.
Foi com esse pensamento que a Fazenda Carnaúba, propriedade da família Suassuna, se tornou um dos estabelecimentos de referência no Nordeste quando o assunto é uma produção exemplar, com ousadia, tecnologia e eficiência. Atualmente, a fazenda é comandada pelos cinco filhos do criador Manoel Dantas Vilar Filho, o Manelito Dantas, que fundou a empresa juntamente com seu primo, o escritor Ariano Suassuna, na década de 1970.
A fazenda fica no coração da Paraíba, no município de Taperoá. Conhecida principalmente pela sua produção de queijos, a fazenda Carnaúba também rende leite, carne e genética, com rebanhos ovinos, caprinos e, claro, bovinos. Juntamente às duas outras propriedades da família - as fazendas Pau-Leite e Bonito -, a criação soma mais de 800 cabeças das raças Guzerá e Sindi, além de 3.500 caprinos e ovinos.
"Ao longo do ano, considerando todos os animais, produzimos em torno de 300 a 600 litros de leite por dia", estima Joaquim Pereira Dantas Vilar, que dá continuidade ao legado da família.
"A escolha pelo gado zebuíno, particularmente o Guzerá e o Sindi, que são animais rústicos e produtivos, bem como as ovelhas e cabras nativas, que têm as mesmas características, foi decisiva para viabilizar as nossas fazendas", revela o criador, acrescentando: "O semiárido é único no Brasil, e nós decidimos usar essa exclusividade para valorizar a nossa carne e o nosso queijo. Isso nos permite, de fato, selecionar animais com rusticidade e produtividade. É por isso que as nossas vendas têm crescido em todo o território nacional".
O sucesso crescente não é possível sem uma série de decisões marcantes, e um ponto de vista arrojado que permite uma releitura do Nordeste enquanto região com potencial produtivo ainda pouco explorado. "O grande entrave da pecuária nordestina não é a falta de água - ela existe, só precisa ser captada e usada para irrigação apenas nas áreas adequadas. Na verdade, a grande dificuldade é a produção de ração", conta Joaquim.
Mesmo apesar das dificuldades, a fazenda Carnaúba segue melhorando os seus resultados ano após ano. Em julho de 2018, a propriedade sediou a sexta edição do Dia D, evento realizado pela família com o intuito de receber criadores de todo o país para três dias de convívio, compartilhamento de vivências e conhecimento, e muito aprendizado.
"Na primeira edição, em 2012, foram 600 pessoas. Este ano, foram mais de 5.500 produtores de 14 estados do Brasil. Entre o ano passado e 2018, o crescimento do evento foi de 30%. Estamos muito satisfeitos com esse resultado e todo o reconhecimento que temos obtido com ele, especialmente levando em consideração o cenário desastroso em que o Brasil se insere nos dias de hoje", detalha Joaquim.
No decorrer do Dia D, a equipe da fazenda Carnaúba aborda soluções inovadoras para os problemas comuns no Nordeste: produção de alimento, captação e gestão de recursos hídricos, etc. Além disso, a fazenda também resgata a cultura típica da região, do artesanato à literatura, como continuação do trabalho realizado por Ariano Suassuna.
"Na produção de ração, só neste ano, no campo demonstrativo do evento, conseguimos obter 575 toneladas por hectare. A nossa região já conta com confinamentos que apresentam um custo diário bem abaixo da média nacional. Queremos mostrar que o Nordeste tem todo o potencial para se tornar uma região extremamente produtiva. Basta aceitar as condições que são naturais por aqui. Temos certeza que, com investimento em tecnologia e mecanização, o Nordeste poderá figurar entre as melhores fazendas leiteiras e de confinamentos de todo o Brasil", aposta Joaquim.
CENTRO DE REFERÊNCIA DA PECUÁRIA BRASILEIRA - ZEBU