Manejo da acidez do solo para aumento da qualidade das pastagens no Cerrado
Voltar
Você está em:
Sustentabilidade » Práticas de Conservação de Solos
Publicado em 28/10/2020 às 15:09:12
A exploração pecuária no Cerrado com pastagens cultivadas e manejo inadequado podem causar problemas sérios de degradação. Um deles pode ser causado pela acidez típica da maioria dos solos da região, caracterizados pelo excesso de alumínio (Al) e deficiência de cálcio (Ca). A acidez reduz o crescimento das raízes das plantas.
Rafael de Souza Nunes; Djalma M. Gomes de Sousa; Lourival Vilela
Pesquisadores da Embrapa Cerrados
A exploração pecuária no Cerrado com pastagens cultivadas e manejo inadequado podem causar problemas sérios de degradação. Um deles pode ser causado pela acidez típica da maioria dos solos da região, caracterizados pelo excesso de alumínio (Al) e deficiência de cálcio (Ca). A acidez reduz o crescimento das raízes das plantas.
Um sistema radicular pouco desenvolvido tem limitações quanto à absorção de água e nutrientes e, consequentemente compromete a produtividade das culturas. Levantamentos feitos na região do Cerrado mostraram que isso ocorre em áreas extensas, tanto em superfície quanto em subsuperfície.
Cerca de 82% das áreas do Cerrado têm alguma limitação natural por saturação de alumínio, ou seja, apresentam de média a alta saturação desse metal. Já em relação ao cálcio, 86% das áreas têm baixa quantidade desse elemento.
Uma das alternativas para a correção da acidez do solo é a aplicação de calcário, que neutraliza o alumínio e fornece cálcio e magnésio para as plantas, além de aumentar a disponibilidade de fósforo e de outros nutrientes para as plantas.
Esse procedimento, chamado de calagem, favorece o desenvolvimento do sistema radicular das plantas, melhorando a absorção e a utilização de nutrientes e de água. Esse efeito é alcançado mais rápido quando o calcário é incorporado na camada de até 20 cm do solo. Quando não há incorporação, os efeitos benéficos também ocorrem, mas de forma mais lenta.
Em um experimento realizado em Pirassununga (SP), foram adicionados, por hectare, 200 quilos de nitrogênio, 120 quilos de P2O2 e 200 quilos de K2O em pastagem degradada de Panicum maximum, cultivar Tobiatã. A área apresentava deficiência de cálcio e magnésio constatada por análise de solo.
Quando o calcário foi incorporado, a produção de massa seca acumulada alcançou a média de 9,1 mil quilos por hectare, em cinco cortes. Já sem incorporação, apenas com a aplicação superficial do calcário, essa média foi de 8,1 mil.
O uso do calcário é uma boa opção para corrigir a deficiência do cálcio e do magnésio e acredita-se que essa seja uma grande necessidade dos sistemas agropecuários. No entanto, a calagem corrige apenas a camada superficial. Abaixo dela, o solo pode continuar com excesso de alumínio tóxico, associado ou não à deficiência de cálcio. Nessas condições, o desenvolvimento do sistema radicular das plantas pode continuar comprometido, aumentando os riscos de déficit hídrico durante os veranicos.
Para a correção das camadas mais profundas do solo, recomenda-se a aplicação do gesso, para favorecer o aprofundamento das raízes. O aumento do volume do solo explorado pelas raízes resulta em maior quantidade de água disponível para as plantas e maior absorção dos nutrientes do perfil do solo, o que se reflete na produção de biomassa e no prolongamento da duração da estação de pastejo.
Em relação ao gesso, o rendimento de matéria seca varia conforme a quanitidade aplicada. A recuperação de uma pastagem degradada de Brachiaria brizantha, cultivar Marandu teve o seguinte resultado. Na área onde não foi aplicado gesso, no primeiro ano, o rendimento de matéria seca foi de 3,4 toneladas por hectare e de 5,8 no segundo ano.
Em área onde foi feita aplicação de uma dose de 200 quilos, o rendimento foi 4,2 e 8,7 toneladas por hectare no primeiro e no segundo anos, respectivamente. Quando foi aplicada uma dose de 1,5 tonelada, foram geradas 4,3 e 9,7 toneladas de massa seca no mesmo período.
Nota-se que solos que tiveram a acidez superficial corrigida com calcário, o gesso aumenta o teor de cálcio e de magnésio, além de reduzir a toxidez de alumínio em profundidade. Essas condições melhoram o ambiente para o desenvolvimeno das raízes. Quando o gesso é aplicado com critério, nas doses recomendadas para cada solo, também não foi observada movimentação de potássio e magnésio no perfil do solo em níveis que possam trazer problemas de perdas desses nutrientes.
Recomendação de aplicação de calcário e gesso em pastagens
Diferentes métodos podem ser empregados para a realizaçao da calagem em solos ácidos, variando de acordo com a espécie a ser cultivada. Caso a escolha seja pelo método da saturação por bases, a recomendação para espécies pouco exigentes, exigentes e muito exigentes é a de aplicação de calcário em quantidade suficiente para atingir saturação por bases de 30%, 40% e 50%, respectivamente.
A reaplicação do corretivo a lanço sem incorporação deve ser feita quando a saturação abaixar 10% em relação a esse ideal. Quando o teor de magnésio no solo for inferior a 0,5 cmolc/dm3, dê preferência aos calcários dolomíticos.
O pecuarista também deve estar atento à maior tolerância ou suscetibilidade das espécies de forrageiras em relação à acidez no solo. Para implantação de pastagem solteira, entre as tolerantes, destacam-se a Brachiaria decumbens, a B. humidicola e o Andropogon gayanus. Já entre as suscetíveis, estão o Panicum maximum, cultivar Tanzânia; B. Brizantha, cultivares Maradu e Xaraés; Cynodon ssp, cultivares Tifton 85 e Coast-Cross; Pennisetum purpureum, cultivar Napier.
Para pastagem consorciada, são tolerantes os estilosantes Campo Grande e Mineirão, a Pueraria phaseoloides e o calopogônio. As mais suscetíveis são a soja perene, o amendoim forrageiro e a leucena.
Já o gesso é utilizado nas pastagens para melhorar o ambiente da subsuperfície do solo ou ainda como fonte de enxofre e de cálcio.
Para sua utilização como melhorador de subsuperfície, deve-se fazer uma amostragem de solo na camada de 40 a 60 cm de profundidade, solicitando, além da análise química, a determinação do teor de argila. De posse dos resultados, se a saturação por alumínio for maior que 20% ou o teor de cálcio for menor que 0,5 cmolc/dm3, sugere-se aplicação de gesso ao solo. A quantidade será determinada pela seguinte fórmula: Dose de Gesso (kg/ha) = 50 x argila (%).
Com essa recomendação, há uma melhoria do perfil até 60 cm de profundidade, com efeito residual entre 5 a 15 anos, dependendo da textura do solo, do índice pluviométrico e da intensidade de pastejo. Assim, não será necessário reaplicá-lo nesse período e o suprimento de enxofre estará garantido por períodos superiores a esse.
Já para utilização do gesso como fonte de enxofre, a amostragem de solo deve ser feita nas camadas de 0 a 20 cm e de 20 a 40 cm de profundidade, solicitando, além da análise química, a determinação do teor de argila de pelo menos uma camada. De posse dos resultados, é possível obter o valor médio para a camada de 0 a 40 cm, que será a camada a ser considerada na recomendação.
A recomendação segue os seguintes parâmetros. Para solo com teor de enxofre maior que 10, considerado alto, não é necessária a aplicação de gesso como fonte do nutriente. Já o solo com teor entre 5 e 9, considerado médio, a dose calculada é de cinco vezes o teor de argila (valor fornecido em porcentagem). Para teor abaixo de 4, considerado baixo, a dose de gesso deve ser de 10 vezes o valor do teor de argila.
No caso de solos mais arenosos, com um teor de argila menor que 20%, será indicado aplicar 200 quilos de gesso por hectare, quando o teor de enxofre no solo estiver baixo, e 100 kg/ha quando esse teor estiver médio.
A aplicação de gesso para reposição de enxofre não é necessária quando o teor médio das camadas de 0 a 40 cm de solo for interpretado como alto. A exceção são os casos de estabelecimento ou recuperação de pastagens onde, na camada de 0 a 20 cm, o teor de enxofre estiver baixo. Nesses casos, recomenda-se 100 kg/ha de gesso para suprir a demanda inicial da planta. O gesso como fonte de enxofre tem efeito residual de dois a seis anos.
Apesar de as forrageiras, de modo geral, responderem melhor ao nitrogênio e ao fósforo do que à calagem, a correção da acidez do solo com calcário e gesso não deve ser negligenciada sob pena de comprometer a eficiência do uso de nutrientes, o que reduz a produção das plantas e o aproveitamento da adubação.
No caso da leucena, por exemplo, a produção de matéria seca e a absorção de nutrientes variam conforme a aplicação de gesso. Sem ele, foram produzidas 3,1 toneladas de matéria seca, enquanto foram absorvidos 91 quilos de nitrogênio, 31 de potássio e 38 de magnésio. Com a aplicação de três toneladas de gesso por hectare, no terceiro ano de avaliação, a matéria seca passou para 4,8 toneladas e a absorção de nitrogênio, potássio e magnésio foi de 148, 51 e 62 quilos, respectivamente.
Portanto, há um aumento costatado da eficiência da adubação quando é realizado o correto manejo da acidez. Mas obviamente as recomendações de manejo de corretivos devem ser ajustadas à situação específica de cada empreendimento. A tomada de decisão final deverá incluir critérios de natureza econômica que permitam estimar a relação de benefício/custo mais favorável ao produtor.
Apesar da evolução dos sistemas de produção e da adoção de tecnologias, há espaço para melhoria do manejo da acidez nas pastagens no Cerrado e as tecnologias aqui apresentadas certamente contribuirão para o sucesso da pecuária regional.
CENTRO DE REFERÊNCIA DA PECUÁRIA BRASILEIRA - ZEBU