Causo e Conto - OS LOBOS TAMBÉM AMAM - Por Hugo Prata Voltar

                -                                                                                                            OS LOBOS TAMBÉM AMAM 
                                                                                                                                                  
 Por Hugo Prata**

        A notícia deixou os fazendeiros ouriçados e em estado de alerta. Um animal atacava, à noite, matando e devorando pequenos bezerros. Sempre aparecia uma pequena carcaça, semidevorada, em locais diferentes. A culpa era de um lobo que passou a ser assunto em todas as esquinas e rodas. 
       Cada um fantasiava e acrescentava tempero a seu gosto. Logo, o lobo se transformou numa fera de apetite insaciável e feroz como nunca, o "inimigo número um" da região. 
       Os rapazes, na falta do que melhor fazer, logo idealizaram uma caçada ao lobo mau. Os preparativos duraram vários dias, com compra de armas, equipamentos, uma tralha ao capricho. 
       Tropa bem escolhida, mestiços de quarto-de-milha e manga-larga. Trinta guapos cavaleiros fora o serviço de apoio, composto por três peões para emendar as cercas que seriam abertas.        Quase uma centena de cachorros, perdigueiros, filas, mestiços e vira-latas. 
       A reunião aconteceu na Mutuca, onde, à tarde, comeu-se uma gorda galinhada com batida de murici e cerveja, rolando à vontade. 
       Ao primeiro canto do galo, começaram os preparativos. A cachorrada em jejum, amarrada, uivava e gama. Fome e ansiedade. Cavalos nervosos casqueavam excitados, prontos para o galope desenfreado. O nervosismo e impaciência campeavam entre a rapaziada, que, ante gozando a cavalgada, ajustava as selas. A chamado da Dona Raimunda, empanturram-se com as sobras da véspera, mais queijo fresco, pão de queijo, broas de fubá e leite gordo. 
       Logo partiram, no sem rumo, entre rinchados, gritos, latidos, risadas, tiros e muita poeira. 
       Na descida do primeiro morro, em um cerradinho ralo, a cachorrada logo acuou em pobre e magro guará que, embora vegetariano e inocente, disparou apavorado. A cachorrada bateu em cima, com os cavaleiros atrás. Novos gritos, buzinas, tiros para o alto, relinchos e latidos, começava a farra. 
       A correria subia e descia morros, ultrapassava córregos e cortava cercas. De quando em vez, um tombo, uma rodada, gemidos, gritos e risadas. A vanguarda logo passou por um rancho, onde havia uma cadelinha em cio cochilando à sombra. Acordada com a gritaria, assustada, fugiu às 'carreiras. O apelo do sexo foi maior e a cachorrada, esquecendo o lobo, e sedenta do bem-bom, disparou atrás da desventurada cadelinha. A coitada, ameaçada de sexo grupal e estupro pela matilha tarada, sumiu na saroba. 
       Uma sucessão de cercas, vaus e pedreiras, fez os rapazes perderem de vista a cachorrada sem responsabilidade e juízo, que deixara o serviço em busca de um possível e fugaz prazer. Mas, continuaram a tropelia até que chegaram a uma rocinha de milho onde um magro caipira carpia um feijãozinho ralo. Indagaram do pobre seu Inzé se ele não vira a cachorrada correndo atrás da cadelinha vadia. 
       O jeca parou o serviço, cuspiu de esguicho e coçou a barbicha rala. 
       "Vi sinsinhô, decero gurinha mez praquela grota." 
       "E o lobo? Ocê viu um lobo amarelo e magrelo?" 
       O matuto tirou o chapéu, coçou a cabeça, cuspiu de novo, pensou um pouco, e respondeu: 
       "E o lobo? Agora qui o dotor falô é que mi alembrei. Eu vi sim. A cachorrinha corria na frente, uma piracema de cachorro atrais. O lobo, pur sinal, tava em quarto lugar na currida."

                                           
                                                                                                                      **especial para o Museu Virtual da ABCZ
            

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