Causo e Conto - Ô TREM DOIDO - Por Hugo Prata Voltar

                -                                                                                                            Ô TREM DOIDO

                                                                                                                                 Por Hugo Prata**
 
         A fazenda do Dr. Amilcar, lá pelos lados de Amparo (SP), estava se tornando um pesadelo. O nosso amigo, como todo médico, sempre sonhou em ter sua terra, onde pudesse descansar e, de quebra, criar suas vaquinhas. Acreditava que no interior tudo era mais fácil e sonhava ter um lugar calmo, de clima bom, para passar suas férias. Sol, ar puro, leite fresco, uma boa rede, e namorar suas vaquinhas jersey, tão simpáticas e delicadas. Longe do consultório estressante, do hospital neurotizante, do trânsito infernal e da violência das ruas de São Paulo. Batina de pelica macia, calça velha e folgada, camisa larga e chapéu de palha. Sem lenço e sem documentos, sem relógio e sem horário. Queria flores, mato, cheiro da terra molhada, bichos e sossego. Dormir ouvindo grilos, e acordar com o desafinado galo cantando. Café forte, leite gordo, pão de queijo e broa de fubá. Até a marocas deixava de lado a brabeza e ficava mansinha. 
         Nunca conseguia, porém, um administrador que tomasse conta de suas terras. Começavam a trabalhar e logo abandonavam o emprego por maiores salários. Ao invés de descansar estava se aborrecendo. Até que um dia um amigo recomendou-lhe um casal lá de Bambuí (MG). Um caboclo atrasado, caipira, e que nunca mudaria de emprego, pois não saberia nem voltar para casa. 
         E foi de lá que trouxe o Fulgêncio, banguelo e descalço, uma mulher magrela de peitos murchos e uma cambada de barrigudinhos. O bicho era caipira mesmo. Não conhecia chuveiro elétrico, papel higiênico e nem trem de ferro. Gostava era de cigarro de palha, pescar lambari e "quentar sol", mas nunca deixaria o emprego. Julgava-se protegido ali no sítio. 
         Dr. Amilcar, no primeiro dia, avisou-lhe, mostrando a linha férrea que cruzava o sítio: "cuidado seu Fulgêncio, o trem passa às quatro horas. Não deixe o gado na linha, pois é perigoso um bezerro ser atropelado". Recebeu como resposta um sinsinhô e um olhar inteligente de galinha choca. 
         Quinze dias depois, voltou ao sítio, e foi logo indagando ao Fulgêncio das novidades. "Uai doutor, tudo bem. Já capinei a horta de cove, rumei o ladrão do açude qui tava disbarrancando, prantei as ramade mandioca, capei os porquinho, e pus duas tô fraco prá chocar. A tar da bomba tá azangada e num bombéia. Trás antonte o trem trombou cos bezerro e machucô um par deles. Mas o sinhor é um home de sorte dotor. O bichão chegô atrasado, carculei que ele num vinha mais. A sorte é qui ele num saiu daquela istrada impedregulhada, e passô reto, fumaceando, bufano e assobiano. Se ele resolve passá de través, ou desse uma vorta, varria o gado tudinho. Ia ser uma disgrama danada. Trem doido sô!".

                                                       
                                                                                                                     **especial para o Museu Virtual da ABCZ
            

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