Causo e Conto - O GUERREIRO CATALÃO - Por Hugo Prata Voltar

                -                                                                                                            O GUERREIRO CATALÃO 

                                                                                                                                              Por Hugo Prata**


            Aconteceu na década de 30, na antiga estrada Uberaba-Conceição das Alagoas (conhecida como "Garimpo"). No local conhecido como Neca de Melo havia uma "vendinha", orgulhosamente chamada de comércio de secos e molhados. Era seu proprietário o espanhol José Cibeira, baixo te, troncudo, com braços curtos e peludos, e tufos de pêlos saindo pelos ouvidos e pelo nariz. Foi ali que Cibeira criou seus filhos Afonso e Manuel. Este último, já assinando Silveira, chegou a diretor da ABCZ. 
            A vendinha era pequena, vendia pouco e quase sempre fiado. Os Cibeiras sobreviviam à custa de muita economia, e com abóbora, mandioca, um franguinho e ovos, tudo do quintal, vivia-se até com fartura. A paixão do amigo Cibeira era criar galos de briga que ele afirmava serem oriundos da Catalunha. Entre a chegada de uma e outra jardineira, havia sempre um tempinho para "escorvar" um galo. 
            João Mansur tinha um velho caminhão, daqueles de bigodes e partida com manivela, e era com ele que fazia a ligação entre as duas cidades. Uma tarde vinha resfolegando pela estrada poeirenta, soltando vapor pelo radiador, quando estourou um "peneu", ou melhor, um "cobertão". Felizmente estava "pertim" da venda, e, meio cambaio e náfego, chegou até lá. 
Cibeira cochilava no pequeno e lustroso balcão, naquele ambiente cheirando a suor, lingüiça e fumo de rolo. Seus olhos espertos brilharam quando viu um capiau. Amarelo, de barbicha rala, dentes em falta ou cariados, sentado em cima da carga de tijolos, e com um galinho bem levianinho, mas de olhos vivos, entre as pernas. Cibeira, matreiro, pensando em uma diversão, logo gritou: "Buenas, matador, que rico peleador tienes, vamos hacer uma pelea". 
            O jeca-tatu abriu os olhos remelentos, cuspiu de lado, acariciou a barbicha, e o galinho magrelo, e desceu do caminhão. Soltou seu combatente, que, com a longa viagem e sem água, estava com as pernas meio travadas. 
            O espanhol foi ao fundo da venda. "Por Diós, rni matador hacerá uma matanza". Entre muitos escolheu um galão preto, com barbelas e crista aparadas, nervoso e peitudo, com pedigree maior que o do Príncipe Charles. Pescoços e coxas, sem penas, e massageados diariamente pelo Manuelito, com chá de barba timão, que enrijeceu a pele em autêntica e vermelha couraça. Os olhos do galão eram amarelos, rajados de vermelho e irradiavam puro ódio. Era exercitado diariamente e alimentado com milho cate to vermelho, carne, ovo galado e pimenta malagueta. Era uma maldade só. Um cangaceiro empenado, que batia no pai e abusava da mãe. Foram à sombra de uma mangueira e depois de dar vantagem de cinco por um, atendendo ao choramingas do capiau, acertaram a briga. O caipirinha tirou dez mil réis amarrotados da sacola e apostou contra 50 do Cibeira. O Chico Carvalho segurou a aposta. 
            Depois dos costumeiros preparativos e rapapés, soltaram os lutadores. O galinho arrepiou o pescoço e abaixou a cabeça. O galão do Cibeira ciscou o chão, enterrando as unhas e esparramando barro. Cuspiu ódio e malvadez a e partiu pra cima do baixinho, decidido a vencer no primeiro round. Foi chegando e, sem dar bom dia, sem educação, soltou o pé. Uma mão de pilão que zumbiu no ouvido do baixinho. Se acerta mata na hora, fraturando o crânio e esparramando miolo. Mas não é que o fedamanha do galinho se abaixou, negou de lado, bambeou, negaceou, segurou o grandão com o bico, pelo toco da crista e mandou pra ver. A cacetada, porrada de doer, pegou bem no pé do ouvido, e a esporinha fina penetrou até o cabo. O valente matador, o "El Cid Campeador", amoleceu as pernas e caiu se estrebuchando todo. E não é que o porquera do baixinho folgado, amontou no finado, bateu asas, cantou bonito e ainda fez cocô em cima. 
            Cibeira nem cumprimentou o caipira. "Cofio de La Madre, que verguenza". Olhou os dois filhos que riam amarelo e estrondou: "Num debocha qui eu meto o cacete". Dizem que foi o último combatente que criou.

                                                       
                                                                                                                           **especial para o Museu Virtual da ABCZ
            

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