Causo e Conto - DUELO NO TRIÂNGULO - Por João Gilberto Rodrigues da Cunha
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- DUELO NO TRIÂNGULO Por João Gilberto Rodrigues da Cunha** A crise zebuina de 43 deixou profundas marcas na gente fazendeira des ta região. Acostumados a viver as facilidades do zebu de ouro, o luxo das festas, dos cassinos e da internacionalidade, a turma viu-se de repente na maior draga do mundo. Gente curiosa essa daqui. Era de se esperar uma depressão irreversível, um desses estados de desespero e desânimo que acompanham geralmente a perda de status social, econômico e financeiro. Nada disto aconteceu, entretanto. A rapaziada rica e mimada arregaçou as mangas, amarrou as calças e partiu pra luta. Venderam carros, posses e luxos, plantaram arroz, milho, algodão, amendoim, que soja e laranja não existiam. Aos trancos e barrancos, viveram seus anos a marços, muitos migrando para longe, na busca das oportunidades e da recuperação, num espirito de luta que a crise veio revelar. Sobretudo, e de forma exemplar, o nosso povinho conservou o ânimo e o bom humor, armas extraordinárias naquela situação difícil e evidenciada em muitos casos e situações. Badu e Gerson Prata eram sócios num gado caro que pretendiam vender mais caro ainda, mas a bomba explodiu em suas mãos. Sem futuro, sem negócios, sem compradores, Gerson resolveu mandar se pra São Paulo e para a Argentina, onde é embaixador do zebu até hoje. Badu virou mascate de exposições, correndo o Brasil todo na disseminação do nosso gado. A sociedade, esta teve que ser dissolvida à moda nossa, é claro. Era costume nestes casos a divisão do gado da sociedade em dois currais, de forma e sabedoria salomônica: um dos sócios apartava e tornava iguais as duas partos, o outro tinha direito à escolha do primeiro curral, ficando o segundo curral para o apartador. A partilha sábia era simplesmente assistida e endossada por um amigo comum, que no caso do Badu e Gerson foi o Pilades. No dia certo, Badu recebeu Pilades mais cedo c contou lhe a molecagem preparada, ia criar uma briga com o educado Gerson, e no final pretendia meter lhe dois tiros na barriga. Só que era tudo mentira, da briga ao revólver que mostrou ao Pilades, cheio de cartuchos de festim. Pilades ficou com medo do coração ou das calças do Gerson, pelo que foi recebê-lo lá fora, longe das vistas do Badu e contou-lhe a safadeza urdida pelo mal encarado sócio. Gerson ficou firme. Já que era pra sacanear, ele tinha sua posição própria puxou o revólver, tirou as balas e deixou só a pólvora, tudo à vista do Pilades, declarando apenas: - Tou pronto pra briga! Chegaram no curral bem no suspiro final do aparte do Badu. Tudo bem feito, partes rigorosamente iguais, Gerson foi cavalheiro. - Pra mim tá muito bem apartado, Badu. Nem preciso escolher. Você escolhe, ou sorteia se quiser. Badu saiu de lado, um piscado rápido pro Pilades. - Pois, pra mim, tá tudo ruim. Gado ruim, crise mim, sócio ruim. Também, besta sou eu de trabalhar pros outros! Gerson fez de descompreendido Que é isso, Badu! Nós dois trabalhamos, cada um do seu lado, não temos culpa da crise! Ai a coisa foi esquentando. - Eu não tenho culpa, mesmo Mas você sempre foi um gozador preguiçoso! - E você um vendedor de cara ruim! - E você um safado! - E você um moleque! - Então vou lhe mostrar o que o um moleque! E Badu puxou o borro, já queimando dois tiros de arrancada. Gerson pulou pra traz e mandou seu aviso. - Então é pra valer, burro velho! E exibiu ao Badu o seu inesperado e indesejável 38 niquelado e virgem, armando o brole para o primeiro tiro. Badu amarelou, e gemou pro Pilades: - Fala pra ele, compadre! É brinquedo, Gerson! Tou sem bala, desgraçado! E deu uma marcha-ré que devia estar na Olimpíada, sustentada ao fogo de seis tiros que o Gerson ia queimando no seu rastro. Badu subiu e desceu de costas duas cercas de arame farpado e um alambrado de galinheiro, até que se esgotasse a pólvora do inimigo. Pilades mijou de rir. A sociedade desfez-se a tiros, num banho de honra, como convinha aqueles tempos. Foi comemorada com conhaque Palhinha, que a grana tava curta pro whisky. Outros tempos viriam! **do livro O Triângulo de Bermudas
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