Causo e Conto - CORONEL XIXICO E TERERECO - Por Hugo Prata Voltar

                -                                                                                               CORONEL XIXICO E O TERERECO

                                                                                                                                      Por Hugo Prata**

Jiboiatuio em sua rede, na frescura da varanda, enquanto picava lascivamente uni fimiinho goiano, coronel Xixico doutrinava: "A vida, meu filho, é ganhada com barganha dc suor, peleja c vigilância. Nada do que pissuo caiu do céu, herdei ou foi robado. Ganhei tudo ali, na peleja, dinherim suado". O fumo picado, colocado na palma da mão, foi pacientemente desfiado, lasca a lasca, reduzindo-se a pequenos fiapos. O cheiro impregnava o ambiente.
Retirou uma palha de milho do bolso, aparou as pontas, alisou-a com o canivete, despejou o fumo que estava na concha da mão, espalhou-o e enrolou o cigarro, tendo o cuidado de lamber a borda da palha, e dobrou a ponta. Nada como um bom palheiro depois do almoço e do cafezinho forte, quente e cheijoso. Com café torrado em casa, moído na hora e passado em coador de pano.
Principalmente com uma boa rede para esticar os ossos. Era o merecido descanso do guerreiro.
Nesse descanso do corpo c que o coronel ruminava suas barganhas c patrocas. Estava sempre preparado para um negocinho.
De fato, a luta do coronel Xixico foi braba. Começou a vida como
peão de comitiva. Do ponteiro à culatra, fez de tudo. Até queima de alho. Acabou capataz. Dando duro, de sol a sol, ganhou uns trocados c, como bom muquirana, poupouos. Comprando um boizinho aqui e outro acolá, logo ajuntou seu gadinho. Pouco, umas trezentas cabeças, mas todo seu. Gadinho especial de bom, com garrotes escolhidos sem pressa, e com a prática que Deus-Nosso-Senhor lhe deu.
Resolveu levar a boiada para vendê-la em Presidente Prudente, onde tinha compradores certos. De Nioaque à cidade paulista, seriam muitas marchas, e organizou sua comitiva no local. Burrada nova e seis peões pantaneiros, tralha de cozinha caprichada e um bom queimador de alho.
Partiu com muita chuva. A garrotada espirituosa e meio bagual, alguns burros quase chucros e peões novos, dificultavam a marcha. Na beirada do Paraná fez mais um pouso.
A lenha molhada embrabecia o cuca e produzia um fumacê gerai. A boiada cansada pastava o capinzinho ralo, e a peonada nova reunida ao redor do fogo tomava mate frio, o seu tereré. A cuia, uma pon-
ta de chifre, rodava de mão em mão. Tudo na maior vadiagem e folga. Todos rindo, no maior desperdício de prosa boba. Como sempre, o assunto era zona, raparigas e safadezas.
De repente, uma faísca coriscou nas nuvens, trincando o céu de cima a baixo, e estrondou num jequitibá seco. Mal apagou o ciarão, no estrondo a novilhada, botando o rabo nas costas, estourou pelo mundão de meu Deus. Um pega-pra-capá danado. Noite escu-
ra como breu e chuva grossa. A peonada procurou montar rapidamente, mas já era tarde. Boi pra todos os lados, no maior tropel. Barro espirrando pra todos os lados, berros e lamentos agoniados que se perdiam pelas quebradas. Aboios e gemidos sofridos. Galhos quebrados, topadas sentidas, chifres quebrados, gritos, entrechocar de ancas, escorregões, quedas, ossos partidos, couros lanhados, gemidos, xingamenlos e o desespero. Um peão, com a queda do burro, quebrou a perna e gritava no medo de ser pisoteado. Outro, bateu a cara num galho, botava sangue pelo nariz e não conseguia falar.
Deu trabalho ajuntar a boiada. O sol já estava quente quando os últimos peões voltaram. Sujos, cansados, sedentos, famintos e lanhados. Uns dez garrotes sumiram para sempre. Os salvados, grande parte machucados, com cascaria estourada e chifres quebrados. Uma desgraceira. Xixico amargou um bom prejuízo e quase que a vaca foi pro brejo.
Na varanda, contando o acontecido, Xixico deu mais uma tragada profunda, olhou o cigarro, com o dedinho derrubou a cinza, com a unha do polegar amassou a brasa, c terminou a história: "Vou te dar um conselho, minino. Quando for contrata uma cumitiva, escolha bem a burrada e os pião. Pantanero não serve. E, principalmente, olha se os pião não tem um chifrim e um canudim na cabeça do arreio. É um tal de terereco. Acabou com meu gadim e quase me quebro ".



                                                                                                                                      **da Revista ABCZ
            

CENTRO DE REFERÊNCIA DA PECUÁRIA BRASILEIRA - ZEBU

Fone: +55 (34) 3319-3900

Pça Vicentino R. Cunha 110

Parque Fernando Costa

CEP: 38022-330

Uberaba - MG


©2015-2025 - Associação Brasileira dos Criadores de Zebu - Todos os direitos reservados