Causo e Conto - UM MURRO NA GANACHA - Por Hugo Prata Voltar

                -                                                                                                            UM MURRO NA GANACHA

                                                                                                                                          Por Hugo Prata**


      Zé Fidelis resolveu mudar de profissão. O negócio de capinar, trabalhar com enxada, não dá futuro nem fama. Resolveu ser vaqueiro, coisa de maior figura e chamariz pra mulherada. Sonhava em sair montado em vistosa mula ruana, fazendo gemer o berrante à frente da boiada. Besta alta, com quase uma braça de altura, descanelada e cabeça seca, orelhas vivas e emparelhadas. Bota de salto alto, guaiaca e chapelão com barbicacho. Nas costas, a faca larga e bem amolada, cruzando com a chaira. Baldrama nova, macia e coxinilho vermelho. Rédea de sedenho e peitoral cheio de argolas lustrosas. 
      Quando o mulão arrancasse faíscas do calçamento, a mulherada iria correr pra ver o que é um crioulo bonito e cheio de chamego. Camisa axadrezada, lenço vermelho e bombachas. E quando entrasse na venda do seo Elias Turco, as rosetas da espora iriam cantar no chão a música do cabra macho. "Capricha numa pinga aí pra mim, Turco". 
      Com todos esses sonhos e intenções é que procurou o padrinho dono da fazenda. Pediu pra ser vaqueiro e contou, ainda, que queria juntar os trens com a Candinha e precisava ganhar um a mais. O Doutor Inácio não precisava de mais vaqueiros, mas aceitou pra não magoar a Candinha, fiel escudeira da casa da sede, responsável pela limpeza e ordem do casarão. Encaminhou o Zé Fidelis ao ca- pataz. Serafim, o dito cujo, enciumado e maldoso, destinou ao novato um burrão preto, mal-encarado, mordedor, cheio de baldas e pisaduras, mal satisfeito com a vida e queixudo. Tiraprosa era seu nome, useiro e vezeiro em derrubar vaqueiros novos. Já havia feito muita gente desmontar sem querer e de mau jeito. Era perito em respirar fundo, enchendo o peito de ar, quando a barrigueira era apertada. Arreiado, logo esvaziava os pulmões e a cilha ficava frouxa e a seu gosto. Achava humilhante usar rabicho e não gostava que cortassem seu rabo. 
      Zé já encontrou o Tiraprosa arreiado, olhando-o de banda e mostrando pouca simpatia. Desatou o cabo do cabresto, segurou as rédeas e mal levantava o pé para o estribo, o burrão começava a dar de roda. E, se não fosse vivo, quase teria levado uma dentada. A vaqueirada, já montada, fingia que não via, aguardando o desfecho. Quando conseguiu pôr o pé no estribo e alçou o corpo, o arreio rodou e Zé se esparramou no barro. Aquilo era demais e a peonada gozou. Levantou-se humilhado, deu um murro na ganacha do burro, porrada pra valer, um forte chute na barriga e um tranco violento no cabresto. O burrão ficou apavorado. A mão de pilão do cabra quase lhe quebra a queixada e o chute na barriga doeu pacas. O homão estava brabo. 
      Zé arreiou novamente o burro, agora assustado e trêmulo. Pé no estribo, mão esquerda firme na crina, a direita na cabeça do cotiano e montou. Deu violento tranco na rédea para a direita, trazendo a cabeça do bestalhão a seu joelho e riscou a barriga com a espora. E foi, então, que cantou vitória: "Conheceu, fio da mãe, papudo e traiçoeiro, quem é o macho aqui? Vancê pode ser mais inteligente e esperto quieu, mas porém mais força num tem não!"
                                                       
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